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Encefalopatia
e mielopatia associadas ao HIV
Christian Eggers e Thorsten Rosenkranz
Encefalopatia
pelo HIV
A primeira causa de encefalopatia a HIV (HIVE) é a infecção do SNC
causada pelo HIV. Se não tratada, 15 a 20% dos doentes desenvolverão EVIH.
Desde a introdução da terapêutica anti-retroviral de alta acção (HAART), a
incidência da infecção tem diminuído. Existem outros termos usados para esta
patologia mas com o mesmo significado como por exemplo, complexo de demência da
SIDA, demência de SIDA, demência do HIV e complexo motor cognitivo associado ao
HIV. A EVIH ocorre somente nos estadios mais avançados da infecção pelo HIV
onde existe uma forte supressão imunitária (contagem de células CD4 inferior a
200/µl). A incidência da EVIH provavelmente aumentará em países desenvolvidos
em consequência do aumento da esperança média de vida (Valcour 2004).
Na EVIH, existe um alto nível de replicação do HIV em macrófagos e
células microgliais do cérebro. Os neurónios parecem não ser afectados. No
entanto, mecanismos imunopatológicos diferentes conduzem ao dano funcional e
estrutural destas células. A respeito da replicação viral e das quasispécies
virais, o SNC é parcialmente independente do compartimento hematolinfático
(Eggers 2003). A carga viral no parênquima cerebral e no fluido cerebrospinal
parece ser elevada na EVIH, perdendo a correlação com a extensão da doença.
Manifestações clínicas
A EVIH é considerada ser uma demência subcortical, emergindo
tipicamente durante semanas e meses. O desenvolvimento de sintomas agudos
aponta para outra etiologia. Febre, exaustão, efeito dos tranquilizadores e
condição física deficiente, por exemplo através de uma infecção oportunista,
podem todos induzir demência. Nestes casos, o diagnóstico da HIVE só pode ser
feito após vários exames.
Os familiares apercebem-se mais cedo dos sintomas do que o próprio
doente. É por isto que o historial dado por estas pessoas tem bastante
importância. São queixas típicas a dificuldade de raciocínio, esquecimento,
dificuldade em concentração, falta de energia, sintomas de depressão e crises
emocionais. Para os sinais e sintomas ver as tabelas 1 e 2.
Alteração no estado de atenção, rigidez no pescoço e sinais
neurológicos laterais (por exemplo: hemiparesia, afasia) não são típicos na
HIVE. Sintomas psicóticos sem distúrbios motores ou cognitivos não justificam
um diagnóstico de HIVE. A coincidência de psicose com HIVE é rara. Crises
epilépticas focais e generalizadas são manifestações raras de HIVE.
A gravidade da HIVE pode ser caracterizada funcionalmente de acordo
com a escala Memorial Sloan Kettering (Price 1988).
Gravidade da HIVE
Como fazer um diagnóstico
Fazer um diagnóstico de HIVE requer uma sinopse da informação clínica
e dos resultados dos testes laboratoriais. Nenhum resultado laboratorial garante
por si só o diagnóstico de HIVE. De preferência, o diagnóstico requer a
exclusão de outras condições (Tabela 3).
Clinicamente, os sintomas
e sinais cognitivos e fisiológicos são invariavelmente acompanhados por sinais
motores, apesar destes poderem estar atenuados (Tabela 2). A escala
internacional para a demência HIV (Sacktor 2005) é fácil de ser usada no
auxílio para a detecção e quantificação do enfraquecimento cognitivo da HIVE.
Os testes laboratoriais são utilizados para excluir um diagnóstico
diferencial. A ressonância deve ser usada em preferência à TAC e por vezes
demonstra uma forma de remendos difusa, lesões hiperintensas e relativamente
simétricas na massa branca. Estas alterações indicam leucoencefalopatia.
Juntamente com isto, também pode ocorrer atrofia com dilatação dos ventrículos
e do espaço extraventricular. No entanto, nenhum destes resultados é específico
para a HIVE, e a doença pode estar presente mesmo com uma ressonância normal.
Apesar da PML, as lesões da massa branca não afectam as fibras-U corticais, ou
seja, não atingem a faixa cortical. Edema e lesões ocupando espaço não são
típicos de HIVE e deve-se suspeitar juntamente com outras condições. Há algum
ganho simétrico de contraste nos gânglios da base.
A análise do LCR demonstra uma contagem normal ou mesmo uma diminuição
da contagem de células. Em contrapartida, a concentração de proteínas totais e
da albumina pode estar ligeiramente elevada. A presença de bandas policlonais e
um aumento da IgG indica produção de imunoglobulinas no SNC. No entanto, estes
resultados são inespecíficos e estão frequentemente presentes nos estadios
assintomáticos da infecção pelo HIV. Apesar de existir uma correlação
estatisticamente significativa de uma carga viral no LCR com HIVE, esta associação
é insuficiente no contexto de um só doente. O electroencefalograma (EEG)
demonstra poucos ou mesmo nenhuns sinais de retardamento generalizado. A
actividade moderada ou uma diminuição severa da arritmia delta focal são
típicas de HIVE.
Tratamento
De acordo com a patogénese da HIVE, o tratamento deve ser cumprido até
supressão da replicação viral no SNC. Torna-se complicado se os compostos
antivirais necessitam de penetrar no LCR. Vários estudos clínicos (Letendre
2004), virológicos (de Luca 2002), patológicos e electrofisiológicos sugerem
que estas substâncias ao atingirem concentrações elevadas no LCR sejam mais
eficazes. Em contrapartida, não encontramos nenhuma associação entre o número
de substâncias que penetram o SNC e os níveis no LCR com a dimensão da
supressão da carga viral no LCR (Eggers 2003). A melhoria neurocognitiva
induzido pela HAART correlaciona melhor a supressão da carga viral no LCR do
que no plasma (Marra 2003).
Na ausência de estudos prospectivos, controlados e randomizados
consideramos importantes os estudos controlados com objectivos clínicos, e que
qualquer regime anti-retroviral em doentes com HIVE inclua substâncias
penetrantes no SNC. Sugerimos o seguinte: zidovudina, lamivudina (concentrações
elevadas no LCR ventricular; observações não publicadas) nevirapina e
indinavir. A penetração no SNC dos produtos aprovados para uso clínico nos
últimos anos é fraca ou desconhecida.
Poucos estudos investigaram o efeito da selegina, nimodipina,
lexipafante e o ácido valpróico no tratamento da HIVE. Estes fármacos actuam na
patogénese molecular da HIVE e são usados em conjugação com o tratamento
anti-retroviral. Apesar da tendência para uma melhoria clínica e
neurofisiológica ter sido observada com o uso de algumas substâncias, nenhum
deles pode ser recomendado para o uso clínico de rotina.
Prognóstico
Uma HAART optimizada pode conduzir a uma melhoria clínica
significativa da HIVE. A extensão da melhoria inclui restauração da habilidade
mecânica e de movimentos em doentes previamente dependentes de cuidados
diários. Este efeito pode ser observado para cima de 4 anos, paralelamente com
a supressão significativa da virémia plasmática (Cysique 2006). Durante os
primeiros meses de tratamento, os sinais radiológicos para a leucoencefalopatia
podem tornar-se mais proeminentes, mas podem regredir eventualmente nos dois
anos seguintes.
Estudos clínicos e anatomo-patológicos demonstram, no entanto, que
alguns doentes desenvolveram uma doença aparentemente clínica do SNC, apesar da
eficácia da HAART induzir a supressão da carga viral no plasma (Brew 2002;
observações não publicadas). Mesmo com uma rápida diminuição da virémia
plasmática durante a HAART, muitos doentes com HIVE demonstraram uma diminuição
retardada mas significativa da carga viral no LCR (Eggers 2003). Nestes
estadios, recomendamos em doentes com HIVE, que a carga viral no LCR deverá ser
determinada durante os primeiros dois anos de HAART. Qualquer alteração no
regime antiviral deve ser considerado quando estudos clínicos e virológicos
verificarem uma continuação da replicação viral no SNC com supressão da virémia
plasmática.
Mielopatia associada ao HIV
Características clínicas
Os doentes infectados pelo HIV podem desenvolver uma mielopatia sem os
sinais neuropsicológicos de EHIV e classificada como MHIV – mielopatia HIV. O
padrão histopatológico são vacúolos, mais frequentes na espinal medula cervical
e toráxica e macrófagos lipofágicos chamada mielopatia associada ao HIV,
conhecida pelo termo mielopatia vacuolar (Petito 1985). Estas alterações são
reminiscências de aslterações degenerativas combinadas graves e podem ocorrer
em pessoas seronegativas para o HIV. Como os produtos virais foram
demonstrados, de modo consistente, como fazendo parte das lesões, o papel do
vírus na doença permanece incerto. Patogenicamente discute-se uma alteração na
transmetilação dependente da cobalamina. Tal com a EHIV ocorre mais
frequentemente na imunodepressão grave. Só uma proporção de doentes com
demonstração na autópsia de mielopatia vacuolar têm manifestações da mesma
durante a vida (dal Pan 1994).
Diagnóstico
Um doentes com MHIV suspeita apresenta uma situação de
ataxia-espástica, hiper-reflexia com sinal de Babinsky positivo, disfunção do
controle de esfíncteres, disfunção eréctil e alterações ligeiras sensoriais em
luva e em meia. O diagnóstico de um processo esxclusivo de MHIV deve ser feito
quando uma alteração cognitiva é menos evidente que as alterações da
mielopatia. Os testes electrofisiológicos, que revelam aumento da latência dos
potenciais evocados somatosensitivos (SEP) a estimulação dos potenciais
evocados motores na estimulação magnética transcraniana são compatíveis com o
diagnóstico. O estudo químico e microbiológico do líquor e os estudos de imagem
da espinal medula são inconcludentes e inespecíficos tal com se diz na tabela
4. Os estudos de imagem da espinal medula devem incluir a RNM cervical e
toráxica.
Tratamento
As observações iniciais de melhoria significativa na monoterapia com
zidovudine (Oksenhendler 1990) foram posteriormente confirmadas com HAART. Por
isso qualquer doente com MHIV deve fazer HAART. Um controle mostrou que a L-metionina
pode dar uma melhoria electrofisiológica mas não nos parâmetros clínicos.
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