sexta-feira, 30 de agosto de 2013



TUBERCULOSE

  A tuberculose é uma das infeções micobacterianas mais frequentes. É uma doença crónica que exige um tratamento longo.

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  Daí resulta :

´1. quebra frequente na adesão ao tratamento

´2. aparecimento de resistências

´3. custo elevado da terapêutica


  No início do século XX, o tratamento da tuberculose ainda se baseava no repouso, alimentação reforçada e no clima de altitude.

  Hoje em dia, a terapia inicial para formas não resistentes é feita com 3 ou 4 fármacos:

isoniazida,

 pirazinamida,

rifampicina

etambutol

– administrados em associação, uma vez ao dia.


Só se usa a monoterapia como preventivo em pacientes com infecção latente assintomática ou em indivíduos que mantêm contacto próximo a pessoas vítimas de tuberculose, como profissionais de saúde e aqueles que estejam sob o mesmo tecto onde haja casos activos ( World Health Organization, 2000 ).


  Um dos tratamentos recomendados para infecção latente da tuberculose é um regime de 9 meses com Isoniazida  ou, como alternativa em algumas circunstâncias, o regime de 2 meses com Rifampicina e Pirazinamida.


A duração do tratamento  da tuberculose  varia de 6 meses até 2-3 anos nos casos de multiresistências.


 Existindo observância ao regime terapêutico, as taxas de cura são excelentes, mesmo para os casos mais avançados da doença.


  Na terapêutica da tuberculose em doentes com SIDA, pode recorrer-se a vários esquemas :


´1. Regime standard

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´2. Prolongamento do esquema de tratamento clássico de tuberculostáticos para um ano


´3. Continuação da Isoniazida após “cura” até ao fim da vida

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Com o aparecimento do HIV a quimioterapia da tuberculose sofreu grandes alterações.


O aparecimento de estirpes multiresistentes, sobretudo  à rifampicina  e à isoniazida, criou problemas de saúde pública bem complicados.


Tornou-se necessário recorrer então a novos medicamentos o que levou à classificação dos tuberculostáticos em dois grupos :


´ os primários ( 1º linha ou 1º escolha )  que são mais potentes e menos tóxicos


´ os secundários ( 2º linha ou 2º escolha ) que são menos potentes e mais tóxicos

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Fármacos de 1º escolha

ISONIAZIDA

 

Quimicamente é a hidrazida  do ácido isonicotínico que é o pilar fundamental na quimioterapia da tuberculose.


  Em 1945, demonstrou-se que a nicotinamida possui acção tuberculostática e em 1952 surgiu  a isoniazida.


 

Exerce uma acção bacteriostática nos bacilos em repouso e bactericida nos que se encontram em fase de divisão rápida , como nos bacilos intracelulares. 


Usa-se em associação com outros fármacos excepto quando se faz profilaxia.


Mecanismo de acção


  O seu mecanismo de acção ainda é mal conhecido mas pensa-se que a catalase-peroxidase do Mycobacterium transforma a isoniazida num composto biologicamente activo que tem capacidade de inibir a síntese dos ácidos micólicos que fazem parte da parede da micobactéria.

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Existindo unicamente ácidos micólicos nas micobactérias, assim se explica o seu alto grau de selectividade.  

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Farmacocinética


  É bem absorvida quer por via oral (92 %) quer por via parentérica. 



  Uma parte da isoniazida sofre biotransformação no fígado principalmente por acetilação e hidrólise, sendo também alvo da mieloperoxidase nos neutrófilos.


  A capacidade de acetilação varia de indivíduo para indivíduo por causa de variações genéticas.


Efeitos adversos


  A incidência de reacções adversas é de cerca de 5.4%, sendo as mais frequentes: eritema, febre, icterícia, náuseas, vómito, reacções hematológicas e nevrite periférica.


A nevrite é a mais comum e pode ser evitada pela administração profilática de piridoxina,  “vitamina B6” .

 

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Pode revelar-se neurotóxica dando lugar a alterações mentais mas a reacção adversa mais importante é a hepatite cuja incidência aumenta significativamente com a idade.


  O hidróxido de alumínio e corticoides reduzem a sua concentração plasmática e a isoniazida inibe o metabolismo da carbemazepina e fenitoina, com potencial desenvolvimento de toxicidade.


A isoniazida é muito eficaz e deve ser incluída em qualquer regime terapêutico da tuberculose a não ser grávidas, doentes hepáticos e renais, epilético e doentes psiquiátricos em que é contra-indicado.

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Rifampicina

Trata-se de um derivado semi-sintético da rifampicina B que é um complexo macrocíclico produzido pelo Streptomyces mediterranei  que surgiu em 1965. 


Mecanismo de acção :

´Exerce acção antibacteriana através da inibição da polimerase do RNA dependente do DNA,  o que leva a supressão da formação da cadeia na síntese do RNA.

´Actua na subunidade b da enzima,  sendo bactericida tanto para microorganismos extracelulares como intracelulares.

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Farmacocinética


´É bem absorvida por via oral excepto pelos doentes com SIDA, diabetes e doentes gastrointestinais.  Existe um agrupamento em 2 tipos consoante a absorção: os  doentes que absorvem lentamente e os que absorvem rapidamente,  influenciando o efeito terapêutico.

´Liga-se de modo extenso às proteínas plasmáticas.

´A sua eliminação é via biliar,  entrando em circulação entero-hepático, sendo 30% excretado pela urina e 75% pelas fezes.


O fármaco é desacetilado no fígado e seu metabólito mantém actividade antibacteriana.

N.B. : É um potente indutor enzimático:

há diminuição da sua semi-vida durante as primeiras semanas de tratamento.

  diminuição da concentração plasmática de certos fármacos ex:

anticoagulantes orais,  corticosteróides,  contraceptivos orais, fenitoina e sulfonilureia. Induz a CYP3A4 :aumenta a toxicidade do paracetamol.


Efeitos adversos

 

A incidência é menor que 4 % sendo os mais frequentes: aeritema,  febre,  náuseas,  vómito,  icterícia,  alterações nervosas,  hipersensibilidade,  hemoglobinúria,  hematúria,  problemas renais,  podendo ainda surgir hepatites.   Alcoolismo,  idade avançada e doenças hepáticas são factores predisponentes para toxicidade hepática.



  N.B: Dá cor alaranjada à urina,  fezes,  lágrimas e suor.
  A administração intermitente pode levar em 2 % doentes a um síndroma tipo gripe que se pode complicar com nefrite intersticial,  necrose tubular aguda,  anemia hemolítica e choque.



A rifampicina é muito eficaz e deve ser incluída  em qualquer regime terapêutico a não ser em grávidas,  doentes com icterícia ou porfiria  ou doentes hepáticos  em que é contra-indicado.

Não deve ser administrado a doentes com HIV tratados com “inibidores das proteases“ já que a indução enzimática leva à diminuição da eficácia do anti-viral.

PIRAZINAMIDA

  É uma pirazina sintética análoga da nicotinamida que surgiu em 1970 .

 

Antes era usada com reservas devido à

sua toxicidade hepática marcadam, dose –dependente.


É muito usada devido à sua capacidade de “esterilizar a

lesão“ : actua nos bacilos em multiplicação lenta ou “bacilos persistentes“ que parecem explicar as recidivas.



Mecanismo de acção

 

  É um profármaco que pensa-se ser bioactivado por amidase em ácido pirazinóico que tem acção bactericida inibindo a síntese dos ácidos micólicos .


  A sua acção só ocorre no ambiente ácido da lesão caseosa ou nos fagolisossomas dos macrófagos.




Farmacocinética :

 

  É bem absorvido por via oral.

Sofre hidrólise, dando ácido pirazinóico que é o metabólito activo, seguido de hidroxilação, dando o metabólito que sofre excreção renal.

 

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Efeitos adversos :

 

  Os mais comuns são reacções alérgicas, dores articulares, hiperuricémia, náuseas, artralgia, anorexia, disúria, nefrite intestinal, febre, vómito, anemia, podendo ainda surgir alterações hepáticas (o aumento da concentração plasmática de Alanina e Aspartato aminotransferase são as alterações mais precoces ) sendo aconselhado a vigilância da função hepática  e também renal .


  É um dos componentes das associações mais potente e mais rapidamente activa para o tratamento inicial da tuberculose do adulto.

 

  Assume ainda particular relevância na terapêutica da tuberculose infantil .

ESTREPTOMICINA

  A estreptomicina foi o primeiro fármaco a surgir em 1942 com eficácia clínica no tratamento da tuberculose.


  É um aminoglicosídeo que hoje  em dia não é tão usado no tratamento da tuberculose devido à sua toxicidade  e ao desenvolvimento de estirpes resistentes.



Mecanismo de acção :

 

  Liga-se à subunidade 30S  do ribossoma, ao receptor S 12, provocando uma leitura errada da mensagem codificada no mRNA.


  É bactericida in vitro mas apenas supressiva in vivo já que não penetra facilmente no espaço intracelular.


Farmacocinética :

 

  Não é absorvido por via oral mas tem uma boa absorção via intramuscular.

 

  A sua excreção é via renal.

 



Efeitos adversos :

 

  O efeito tóxico mais comum exerce-se sobre 8º par craniano assumindo geralmente a forma de lesão labiríntica podendo surgir hipoacusia e surdez.

 

  Pode também provocar rash, febre, bloqueio neuromuscular e nefrotoxicidade.

 

  O seu uso como antituberculoso está diminuindo francamente.

ETAMBUTOL

  É um composto obtido por síntese: dextro-2,2’-(etilenodiamina)-di-1-butanol. Surgiu em 1968 vindo ocupar o lugar do ácido p-aminossalicílco.

 

  Tem capacidade de actuar nas estirpes resistentes à isoniazida e à estreptomicina.

 



Mecanismo de acção :

  Afecta a síntese  de componentes parietais  inibindo a transferase de arabinose envolvida na síntese da parede celular.

 

  O seu efeito tuberculostático não é significativamente evidenciado antes de 24 horas.

 

 



Farmacocinética :

  É bem absorvido por via oral ( 75-80% ).

 

  A sua excreção é via renal sendo ao fim de 24 horas eliminado 2/3 do fármaco intacto e 15% sob a forma de metabólito.

 


Efeitos adversos

  A incidência é cerca de 2 %.

 

  O mais grave é a diminuição da acuidade visual por nevrite óptica retrobulbar com alterações da visão cromática,  principalmente para o verde e o vermelho.

 

  Também provoca perturbações gastrointestinais, dores articulares,  prurido anal,  confusão mental,  hipersensibilidade,  dor de cabeça e problemas hematológicos.

 




  Está contraindicado em grávidas,  crianças com menos de 12 anos,  doentes com visão deficiente e tem que se monitorizar em caso de insuficiência renal.

Fármacos de 2º escolha

Etionamida

É um derivado da tioisonicotinamida que surgiu em 1966.


Mecanismo de acção 

Inibe a síntese dos ácidos micólicos,  sendo por isso tuberculostático.



Farmacocinética:

É bem absorvido por via oral.

É excretado pelo rim em que 99% é sob a forma de metabólito.


Efeitos adversos :

Causa epigastralgia,  náuseas, vómito,  astenia,  anorexia,  convulsões, hipotensão postural severa,  sabor metálico, depressão mas o mais grave é a hepatite em 5% dos casos.


A protionamida é um homólogo da etionamida que tem a vantagem de ter maior tolerância a nível gastrointestinal.


Cicloserina

É a D-4-amino-3-isoxazolidona que surgiu em 1955.

O fármaco é rapidamente destruído quando exposto a pH neutro ou ácido.



Mecanismo de acção

Inibe competitivamente a D-alanina racemase e

D-alanil-D-alanina sintetase na fase citoplasmática da biossíntese do peptideoglicano da parede celular.



Farmacocinética :

É bem absorvido por via oral.

Cerca de 35% do fármaco sofre metabolização, sendo a sua excreção renal.





Efeitos adversos :

Provoca principalmente toxicidade a nível do SNC como cefaleias, sonolência, confusão e crises tónico-clónicas.


Nos doentes renais pode levar a acumulação.

É administrado no tratamento de recidivas ou de resistência a outros fármacos


Tiacetazona

É a 4-acetil aminobenzaldeido-tio-semicarbazona  que surgiu em 1950.  


  É mais usado em países não industrializados dado o seu preço baixo;  não é utilizado em países desenvolvidos já que tem fraca actividade e alta incidência de efeitos adversos ( intolerância gástrica,  alterações hepáticas e sanguíneas ).

Ofloxacina  

  É uma fluorquinolona  com MIC ( concentração mínima inibitória ) baixa  e toxicidade reduzida mas de custo elevado, que surgiu em 1987.


Mecanismo de acção

  Inibe a síntese da DNA girase e topoisomerase IV, sendo bactericida.



Farmacocinética :  

É bem absorvida via oral, sendo 80 % eliminado via renal.

Não sofre metabolização hepática.



Efeitos adversos

´Hipersensibilidade, problemas gastrointestinais e pode provocar convulsões.

´O aparecimento de novas estirpes de micobacteria criou novos problemas terapêuticos, recorrendo-se a compostos tradicionalmente não utilizados na tuberculose.

´Tem sido associado ao tratamento dos doentes com HIV .

Ciprofloxacina 

É uma fluorquinolona que tem CMI baixa  e toxicidade relativamente reduzida mas de custo elevado.


Mecanismo de acção :


Inibe a DNA girase e topoisomerase IV, sendo por isso bactericida.



Farmacocinética  :


É bem absorvido por via oral.

Sofre metabolização hepática, sendo a sua eliminação pela urina e pelas fezes.  



Efeitos adversos :


Hipersensibilidade, náuseas, diarreia e pode causar convulsões.


O aparecimento de novas estirpes de micobacteria criou novos problemas terapêuticos, recorrendo-se a compostos tradicionalmente não utilizados na tuberculose.

Tem sido associado ao tratamento dos doentes com HIV.


Kanamicina

É um aminoglicosídeo que surgiu em 1957.


Mecanismo de acção :

Liga-se à subunidade 30S ribossomal induzindo uma leitura errada da mensagem codificada no mRNA, sendo por isso bactericida.


Farmacocinética

Não é absorvido por via oral, sendo administrado via intramuscular.

Sua excreção é por via renal.



Efeitos adversos

Existe riscos de paralisia neuromuscular, depressão respiratória, agranulocitose e nefrotoxicidade.  Não se pode administrar em grávidas.



É mais usado nos doentes infectados com estirpes multi-resistentes.


Capreomicina 

É um antimicobacteriano peptideo cíclico produzido por Streptococcus capreolus que surgiu em 1967.


Mecanismo de acção :


Inibe a síntese proteica a nível da translocação. 


Farmacocinética


Não sendo absorvido via oral é administrado via intramuscular.



Efeitos adversos :


Ototoxicidade, problemas hematológicos, problema renal  e pode induzir bloqueio neuromuscular.

É mais usado em estirpes multi-resistentes.

A vicomicina tem a mesma acção.


Rifabutina 

É um derivado da rifamicina que é eficaz em infecções por micobacterias resistentes à rifampicina.


Mecanismo de acção :


Inibe a polimerase do RNA dependente do DNA, o que leva à supressão da formação da cadeia na síntese de DNA, sendo bactericida.

Farmacocinética


Tem biodisponibilidade reduzida por via oral.

Sofre metabolização extensa, sendo capaz de induzir o seu próprio metabolismo.  

Efeitos adversos :


Artralgia, náusea, vómito e erupção cutânea.



O facto da maioria dos anti-bacterianos não serem utilizados no tratamento da tuberculose em 1º linha, deve-se ao facto de as células de Mycobacterium sp. terem uma parede celular diferente das bactérias pertencente a outros géneros, terem crescimento lento e serem parasitas intracelulares.

O uso inadequado dos tuberculostáticos tem contribuindo para o aparecimento de estirpes resistentes, diminuindo a eficácia dos fármacos conhecidos e dificultando o sucesso do tratamento :

O TRATAMENTO INTEGRAL É FACTOR IMPRESCINDÍVEL  NO SUCESSO CONTRA A DOENÇA !!


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