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Autor:
Felipe Francisco TuonEspecialista em Infectologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Doutor em doenças infecciosas e parasitárias pela Faculdade de Medicina da USP
Última revisão: 17/01/2010
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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES
Malária
é uma das principais doenças parasitárias tropicais, com uma incidência
que ultrapassa 500 milhões de casos anuais. A doença distribui-se pela
África, ao sul do Saara, diversas regiões tropicais-equatoriais da Ásia,
Oceania e Américas. No Brasil, a principal área endêmica encontra-se na
região amazônica, causando meio milhão de casos anualmente. A doença
apresenta alta letalidade em gestantes e crianças, sendo um grave
problema para aqueles que adquirem a doença pela primeira vez, devido à
ausência de anticorpos protetores, os quais tendem a diminuir os
sintomas e amenizar o quadro clínico.
O
agente etiológico da Malária é o Plasmodium. As principais espécies de
Plasmodium são P. falciparum, P. vivax, P. malariae e P. ovale. O P.
falciparum é a espécie mais comum na África e causa a forma mais grave
de Malária, ao passo que o P. vivax é a forma mais comum no Brasil,
sendo a apresentação clínica menos grave.
A
doença é transmitida pela picada do mosquito Anopheles, o qual inocula
no vaso sanguíneo do homem uma grande quantidade de esporozoítos que
estão localizados nas glândulas salivares das fêmeas do mosquito. Em
poucos minutos, os esporozoítos penetram no tecido hepático, ocorrendo a
divisão nuclear destas estruturas formando uma célula multinucleada
denominada de esquizonte. Este processo dura entre 1 e 2 semanas e é
denominado de esquizogonia hepática, quando ocorre a ruptura desta
célula liberando milhares de merozoítos na corrente sanguínea. Estas
células invadem as hemácias e formam outra estrutura que promove a
divisão do parasita (esquizonte), podendo também, em algumas hemácias,
formar estruturas sexuadas que são importantes para a manutenção do
ciclo da doença, os gametócitos. Este processo de multiplicação celular
nas hemácias é denominado esquizogonia eritrocitária, até que as
hemácias se rompem e liberam novamente uma grande quantidade de
merozoítos, culminando, neste momento, com os primeiros sintomas da
Malária, entre eles a febre típica com calafrios. Estes merozoítos
liberados com a ruptura das hemácias invadem outras hemácias e o
processo se mantém. O ciclo se fecha quando o mosquito, durante o
repasto sanguíneo, suga as formas sexuadas do Plasmodium (gametócitos),
os quais se fundem e geram posteriormente os esporozoítos que podem
infectar outros humanos quando picados. Nas espécies P. vivax e P.
ovale, durante a esquizogonia hepática, ocorre a formação de estruturas
que ficam dormentes no fígado, denominadas de hipnozoítos, os quais
podem se reativar meses depois, levando o paciente a apresentar recaídas
da Malária, mesmo fora de área endêmica.
Figura 1: Ciclo de transmissão da Malária. 1. A picada do mosquito promove a transmissão de esporozoítos na corrente sanguínea do homem. 2. Os
esporozoítos migram para o fígado, onde fazem a esquizogonia hepática.
Observe que, neste ciclo genérico, estão representados os hipnozoítos
que ocorrem em P. vivax e P. ovale. 3. Após
a esquizogonia hepática, ocorre a liberação de merozoítos na corrente
sanguínea, onde ocorre a invasão das hemácias promovendo a esquizogonia
sanguínea e também a formação dos gametócitos. 4. Os gametócitos são sugados pelos mosquitos e promovem a reprodução sexuada. 5. As etapas de desenvolvimento do parasita no vetor não estão representadas.
ACHADOS CLÍNICOS
Malária Não Complicada
A
primoinfecção é caracterizada pela ocorrência de paroxismos febris. Os
paroxismos iniciam-se com calafrios, acompanhados de mal-estar, cefaleia
e dores musculares e articulares. Náuseas e vômitos são sintomas
frequentes, podendo também ocorrer dor abdominal intensa. A frequência
dos sintomas está descrita na Tabela 1. Em algumas horas, inicia a
febre alta que produz adinamia e prostração; a esta fase se segue um
período de sudorese profusa, com melhora progressiva do estado geral. Em
geral, pacientes com infecção por P. falciparum, P. vivax e P. ovale
têm paroxismos febris a cada 48 horas (febre terçã), enquanto aqueles
infectados por P. malariae têm paroxismos a cada 72 horas (febre
quartã).
Nos
indivíduos que habitam regiões endêmicas de Malária, este quadro de
paroxismo de febres (paludismo) não ocorre, sendo mais comum a
ocorrência de um ou poucos dos sintomas acima descritos. Sinais clínicos
de anemia, esplenomegalia e hepatomegalia geralmente estão presentes.
Tabela 1: Sintomas da Malária não complicada
Sintoma
|
Porcentagem
|
Febre
|
100%
|
Cefaleia
|
100%
|
Fraqueza
|
94%
|
Sudorese
|
91%
|
Insônia
|
69%
|
Artralgia
|
59%
|
Mialgia
|
56%
|
Diarreia
|
13%
|
Dor abdominal
|
8%
|
Malária Complicada
Em
geral, a Malária é classificada como não complicada, conforme já
descrito. Já nos casos graves, a doença expressa complicações em
diversos órgãos, sendo reconhecida por alguns sinais e sintomas clínicos
(Tabela 2). A Malária causada pelo P. falciparum pode acometer
outros órgãos, como a Malária cerebral, caracterizada por sintomas de
encefalite (sonolência, prostração intensa, convulsões, alteração do
nível de consciência até o coma). Segundo a Organização Mundial de
Saúde, a definição de Malária cerebral exige a presença de coma profundo
(escala de coma de Glasgow < 9). O comprometimento renal é
caracterizado por oligúria e urina escura. A Malária pulmonar pode
variar desde taquipneia e dispneia com alterações discretas na ausculta
até edema pulmonar e franca insuficiência respiratória. Icterícia é um
sinal de gravidade da doença, não sendo comum nos casos leves a
moderados da doença.
Tabela 2: Critérios de Malária complicada
Achado clínico
|
Definição
|
Malária cerebral
|
Coma profundo excluindo outra causa de encefalopatia
|
Convulsões generalizadas
|
Mais de duas crises convulsivas em 24 horas
|
Anemia grave
|
Concentração de hemoglobina sanguínea < 5 g/L ou hematócrito < 15%
|
Hipoglicemia
|
Concentração de glicose sanguínea < 40 mg/dL
|
Insuficiência renal aguda
|
Concentração de creatinina plasmática > 3 mg/dL com débito urinário inferior a 400 mL em 24 horas (12 mL/kg/dia em crianças)
|
Edema pulmonar e síndrome da angústia respiratória do adulto
|
Se possível, com comprovação radiológica do edema pulmonar e monitoramento de pressão capilar pulmonar ou venosa central
|
Choque circulatório (“Malária álgida”)
|
Choque vascular
|
Acidose metabólica
|
Níveis sanguíneos de bicarbonato abaixo de 15 mmol/L e pH sanguíneo abaixo de 7,35
|
Alterações de hemostasia
|
Hemorragias retinianas e gengivais, trombocitopenia
|
Hemólise intravascular maciça ou febre hemoglobinúrica (“blackwater fever”)
|
Urina escura, que pode ocorrer após início do tratamento
|
Hipertermia
|
|
Hiperparasitemia
|
Parasitemia acima de 100.000 parasitas/mcL
|
Icterícia
|
|
Ruptura esplênica
|
|
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Como
regra geral, todo viajante que retorna de uma área endêmica dentro de 3
meses do início da febre deve ser considerado como portador de Malária
até que se prove o contrário. Ataques mais tardios podem ocorrer nos
casos de recrudescência devido à presença de hipnozoítos (P. vivax e P.
ovale) dentro de 3 anos da infecção inicial.
A
Malária deve ser diferenciada dos quadros virais respiratórios,
incluindo a gripe. Febre tifoide e outras doenças bacterianas também
podem ser semelhantes ao paroxismo da Malária. Outras doenças tropicais
devem ser diferenciadas, como dengue, febre de Katayama (esquistossomose
aguda), leptospirose, riquetsioses e febre amarela.
EXAMES COMPLEMENTARES
Exames Laboratoriais
A
anemia é um achado constante na Malária e progride com a evolução da
doença. O leucograma é variado, não sendo característico. Outros exames
tornam-se alterados à medida que aumenta o comprometimento sistêmico e a
intensidade do órgão acometido. Assim, pode ocorrer aumento das
transaminases, dificilmente ultrapassando o valor entre 5 e 10 vezes o
limite superior. Pode ocorrer hiperbilirrubinemia, com predomínio da
forma indireta. Hipoalbuminemia é encontrada nos casos mais graves.
O
exame de urina pode revelar hemoglobinúria e alterações indiretas do
acometimento renal (cilindros hialinos ou granulosos). O exame
radiológico do tórax pode revelar infiltrado alveolar nos casos de
Malária pulmonar.
Exames Específicos
O
diagnóstico laboratorial da Malária baseia-se no achado do parasita em
amostras de sangue periférico. A gota espessa é o exame direto mais
utilizado nas áreas endêmicas devido à alta sensibilidade, porém,
necessita ser realizado por profissionais treinados. Exames sorológicos
não distinguem infecções atuais de pregressas, podendo ser usados para
pacientes que nunca viajaram anteriormente para área endêmica. O uso da
reação em cadeia da polimerase (PCR) apresenta alta sensibilidade e,
conforme a técnica, pode distinguir a espécie; apresenta alto custo para
ser utilizado em larga escala nos países tropicais, onde a doença é
endêmica.
Fitas
diagnósticas (testes rápidos) são fáceis de utilizar e dispensam
eletricidade, mas ainda não apresentam alta sensibilidade como o exame
direto, além do custo elevado para ser utilizado em larga escala.
TRATAMENTO
O
tratamento da Malária depende da origem do paciente. As drogas são
escolhidas conforme a espécie de Plasmodium, a gravidade da doença e a
resistência regional aos antimaláricos. O objetivo primário do
tratamento é a erradicação dos estágios assexuados sanguíneos do
parasita. O objetivo secundário é eliminar os hipnozoítos (P. vivax e P.
ovale) e os gametócitos, interrompendo a transmissão vetorial.
No
Brasil, a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, em
Nota Técnica de 2007, recomenda o emprego de derivados de artemisina no
tratamento da Malária pelo P. falciparum. Considerando isso e os
trabalhos atuais, recomendam-se os esquemas descritos a seguir.
Malária Não Complicada por P. vivax
A
Malária não complicada causada por este agente no Brasil pode ser
tratada com medicação oral, sem necessidade de internação, devendo ser
observado o aparecimento de sinais de gravidade no momento do
diagnóstico e tratamento. Orienta-se, nesses casos, o controle de cura
com teste direto (gota espessa) após 2, 6, 10 e 15 semanas. A droga de
escolha é a cloroquina 25 mg/kg/dia por 3 dias em tomada diária,
associada com a primaquina 0,25 mg/kg/dia durante 14 dias. A primeira
droga é utilizada como esquizonticida sanguíneo (destruindo as formas
assexuadas do parasita no sangue), e a segunda atua como gametocida e
também destrói as formas hipnozoitas (Algoritmo 1). Os casos de
Malária grave por P. vivax são tratados como Malária grave causada por
P. falciparum. Este esquema é contraindicado para gestantes e menores de
6 meses.
Malária Não Complicada por P. falciparum
A
Malária não complicada por P. falciparum pode ser tratada com um
esquema que associa o artemeter e a lumefantrina (Coartem®). A droga é
usada conforme o peso, em esquema descrito na Tabela 3. Em alguns
locais onde esta droga não esteja disponível, pode ser utilizado o
quinino 15 a 30 mg/kg/dia a cada 12 horas durante 3 dias (esquizonticida
rápido), associado com doxiciclina 100 mg a cada 12 horas por 5 a 7
dias (esquizonticida lento). Este esquema não é recomendado para menores
de 8 anos de idade. O controle de cura é feito com gota espessa
realizada no 3º dia de tratamento, após 1, 2, 4 e 6 semanas do início do
tratamento. Outra opção de tratamento é a mefloquina, utilizada na dose
de 15 a 20 mg/kg em dose única, sendo contraindicada no 1º trimestre de
gestação.
Malária Complicada por P. falciparum
A
Malária complicada exige administração parenteral das drogas
esquizonticidas (rápidas e lentas). No Brasil, utiliza-se o artesunato
intravenoso (esquizonticida rápido) com dose de ataque de 2,4 mg/kg e
1,2 mg/kg após 4, 24 e 48 horas da primeira dose. Associa-se a
clindamicina (esquizonticida lento) na dose de 20 mg/kg/dia divididos a
cada 12 horas por 5 a 7 dias. O artemeter é um derivado de artemisina
equivalente ao artesunato, mas disposto na apresentação para aplicação
intramuscular, sendo usado na dose de 3,2 mg/kg/dia como ataque,
seguindo de 1,6 mg/kg/dia por 5 dias.
Tabela 3: Tratamento da Malária não complicada por P. falciparum com Coartem® (artemeter e lumefantrina)
Peso
|
Dose
|
5 a 14 kg
|
1 comprimido a cada 12 horas por 3 dias
|
15 a 24 kg
|
2 comprimidos a cada 12 horas por 3 dias
|
25 a 34 kg
|
3 comprimidos a cada 12 horas por 3 dias
|
> 35 kg
|
4 comprimidos a cada 12 horas por 3 dias
|
TÓPICOS IMPORTANTES
A
Malária é uma doença infecciosa que atinge grandes áreas do planeta,
podendo ser mais grave nos primoinfectados, em crianças e gestantes.
Caracteriza-se como uma síndrome febril aguda em paroxismos com náuseas, fraqueza, mal-estar, cefaleia e artralgia.
A
forma complicada acarreta alteração do nível de consciência,
insuficiência respiratória e renal, coagulopatia, além de carga
parasitária elevada e anemia severa.
As
alterações laboratoriais mais comuns são anemia, discreta alteração de
transaminases, podendo ter aumento de bilirrubinas (indireta),
creatinina e hipoxemia, conforme a gravidade.
O
diagnóstico confirmatório é realizado com exame direto do sangue (gota
espessa), mas outros testes podem ser utilizados, como PCR, fitas de
teste rápido e até mesmo sorologia, com sensibilidade decrescente.
O
tratamento é realizado conforme a gravidade e a espécie. O esquema
atual para Malária por P. vivax consiste em cloroquina e primaquina. A
Malária por P. falciparum não complicada é tratada com artemeter
associado à lumefantrina e a forma grave, com artesunato ou artemeter
associado com clindamicina.
ALGORITIMO
Algoritmo 1: Manejo da Malária.
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