SANGRAMENTO
UTERINO DISFUNCIONAL
SANGRAMENTO
UTERINO DISFUNCIONAL refere-se
a
um sangramento uterino anormal,
cuja origem se
deve, exclusivamente, a um
estímulo hormonal inadequado
sobre o endométrio.
Entretanto, o termo é
freqüentemente usado
como sinônimo de sangramento
uterino anormal e o
que vemos na prática clínica é um
grande número de
sangramentos uterinos anormais
provocados por lesões
orgânicas, genitais ou
extragenitais, sendo erroneamente
rotulados e tratados como
disfuncionais (obviamente
sem sucesso). Até mesmo em
eventos médicos
esta confusão se perpetua, pois
são inúmeras as mesas
redondas e simpósios com o título
especifico “Hemorragia
ou sangramento uterino
disfuncional” onde os
tópicos e os expositores se
perdem em métodos de
diagnósticos por imagens e
tratamentos modernos de
miomas, pólipos, adenomiose, etc.
Ora, sangramento
uterino disfuncional já é um
diagnóstico fechado e
cabe apenas discutir o tipo da
disfunção, as condutas e
modalidades de tratamento.
O termo sangramento uterino
anormal é
abrangente, multi-etiológico.
Dentre as causas, incluise
a disfunção hormonal. Quando
falamos em sangramento
disfuncional, pressupõe-se que
todas as outras
causas já foram excluídas. O
grande desafio clínico é
exatamente chegar ao diagnóstico
preciso de sangramento
uterino disfuncional, pois o
tratamento será,
em princípio, exclusivamente
hormonal e sem possibilidade
de fracasso. Se falhar, com
certeza não será disfuncional.
Neste caso, teremos que melhorar
a nossa
propedêutica, para identificar a
real causa orgânica.
Este é o primeiro e fundamental
axioma: “Sangramento
disfuncional
corrige-se com hormônios. Se não
corrigir, não é
disfuncional, é orgânico”.
Conceito
Sangramento uterino disfuncional
ou endócrino é um
distúrbio freqüente que pode
ocorrer em qualquer
época do período reprodutivo da
mulher, mas concentra-
se principalmente em seus
extremos, ou seja, logo
após a menarca e no período
perimenopausa. É
definido como um sangramento
uterino irregular, sem
nenhuma causa orgânica (genital
ou extragenital)
demonstrável. É, pois, um
diagnóstico de exclusão,
feito após cuidadosa eliminação
das causas orgânicas
de sangramento uterino
representadas pela gravidez e
suas complicações, patologias
uterinas e pélvicas
benignas e malignas, e problemas
extragenitais, como
distúrbios da coagulação, doenças
sistêmicas, endocrinopatias
extra-ovarianas, ou uso de
medicamentos que
interferem com a ação hormonal ou
com os mecanismos
de coagulação. O diagnóstico
etiológico é portanto um desafio ao senso crítico do médico, à sua
perspicácia na observação e
interpretação dos sinais e
sintomas, e à sua capacidade de
saber utilizar os meios
propedêuticos adequados para a
comprovação ou exclusão
das possíveis patologias. Quanto
mais minuciosa
e apurada for a propedêutica,
mais causas orgânicas
iremos encontrar, especialmente
nas pacientes acima
de 35 anos, fazendo com que um
aparente sangramento
disfuncional seja então
identificado como orgânico.
Aproximadamente 20% das pacientes
com sangramento
disfuncional são adolescentes e
50% concentram-
se na faixa dos 40 a 50 anos.
Para conceituar um sangramento
uterino
anormal é necessário primeiro
estabelecer o que se
considera um sangramento
menstrual normal. O
fluxo menstrual médio dura de 3 a
8 dias, com uma
perda sangüínea de 30 a 80ml. O
ciclo médio varia
entre 24 e 34 dias (não se
preocupem se outros
autores referirem um ou dois dias
a mais ou a menos,
é questão puramente semântica,
sem nenhuma
importância clínica). Portanto,
sangramento uterino
anormal é aquele que apresenta
uma alteração em
um ou mais destes três
parâmetros, ou seja, um sangramento
excessivo em duração, freqüência
ou
quantidade. Com relação a este
último parâmetro,
não existe uma maneira prática e
objetiva capaz de
medir a quantidade de sangue
eliminado, porém, se
o sangue menstrual forma
coágulos, provavelmente a
perda é maior que o normal e
quanto mais coágulos
maior a perda. A dosagem da
hemoglobina confirmará
o excesso, se estiver baixa.
Existe também uma terminologia
universal, utilizada
para descrever um sangramento
uterino anormal,
à qual devemos nos habituar e
respeitar, afim de
não cometermos impropriedades
tais como a tão usada
“hipermenorragia”, pois
menorragia já é o suficiente,
hiper é pleonasmo:
Hipermenorréia – Refere-se a
sangramento prolongado,
acima de 8 dias, ou quantidade
excessiva,
maior que 80ml, ou à associação
de ambos. O volume
excessivo é também denominado
menorragia;
Hipomenorréia – Caracteriza um
fluxo de
duração menor que 3 dias, ou
quantidade inferior a
30ml, ou à associação dos dois
quadros;
Polimenorréia – Caracteriza um
ciclo cuja freqüência
é inferior a 24 dias;
Oligomenorréia – Refere-se a
ciclos que ocorrem
a intervalos acima de 35 dias;
Metrorragia
– É o sangramento
uterino que
ocorre fora do período menstrual;
Menometrorragia
-
É
o sangramento que ocorre
durante o período menstrual e
fora dele. É típico dos miomas subserosos ou pólipos endometriais. Começa
como uma hipermenorréia ou
menorragia e com o
evoluir, transforma-se em
menometrorragia.
Etiologia
O sangramento uterino
disfuncional é representado
por duas situações distintas.
Aquele que ocorre em
pacientes que estão ovulando e o
que ocorre nas
pacientes que não estão ovulando.
Sangramento
disfuncional ovulatório
Cerca de 15% das pacientes com
sangramento uterino
disfuncional apresentam ciclos
ovulatórios. São
descritos os seguintes tipos de
sangramento:
Sangramento
da ovulação.
Ocorre com mais freqüência
no fim da vida reprodutiva. É
geralmente
escasso e coincide com o período
ovulatório, que pode
ser identificado pela secreção
mucosa, clara, abundante
e filante que se apresenta rajada
de sangue e eventualmente
associada à dor da ovulação
(Mittelschmerz). O
sangramento pode durar de um a
três dias e é possivelmente
secundário à formação de pequenos
trombos
nos vasos endometriais
conseqüentes à elevação
plasmática dos níveis de
estrogênios, mas pode também
ser devida ao sangramento da
rotura folicular por
ocasião da ovulação, que é
captado pelo óstio tubário.
Pacientes em uso de
anticoagulantes estão mais sujeitas
a este tipo de sangramento,
podendo às vezes chegar
até à formação de hemoperitôneo;
Polimenorréia. Refere-se a
ciclo ovulatório com
menos de 24 dias de intervalo e é
geralmente devida a
um encurtamento da fase
folicular, embora possa também
ocorrer uma diminuição da fase
lútea ou de
ambas. A temperatura basal
identificará com precisão
estas alterações;
Descamação
irregular.
É caracterizada por sangramento
prolongado e abundante com
intervalos regulares.
A biópsia do endométrio praticada
pelo menos
5 dias após o início do
sangramento mostrará um
aspecto de endométrio misto, onde
identificam-se histologicamente
áreas de secreção avançada,
reepitelização
endometrial incompleta e
proliferação inicial. Este
quadro sugere uma regressão
retardada do corpo lúteo,
fazendo com que ainda persistam
áreas sob a ação da
progesterona do ciclo anterior
juntamente com áreas
de proliferação estrogênica do
ciclo atual;
Sangramento
pré-menstrual.
Caracterizado por perda escassa
de sangue, geralmente escuro, tipo borra
de café, que antecede de alguns
dias o sangramento
menstrual. Também mais freqüente
no fim da vida
reprodutiva (acima dos 35 anos) e
associada a uma
deficiente produção de
progesterona. Deve nos alertar também para a possibilidade de uma endometriose;
Hipermenorréia
ou menorragia.
Freqüentemente
devida a causas orgânicas como
miomas, pólipos,
adenomiose e distúrbios da
coagulação que cursam
paralelo com ciclos ovulatórios.
Merece portanto
atenção especial, pois é
praticamente um diagnóstico
por exclusão. A congestão uterina
crônica provocada
por uma retroversão uterina ou
disfunção orgásmica
(síndrome de Taylor) podem também
provocar um
sangramento escuro e prolongado;
Persistência
do corpo lúteo (Sindrome de
Halban).
Não recorre de maneira cíclica. É
episódio
esporádico e o diagnóstico
geralmente não é feito,
porque não se pensa nesta
possibilidade. É confundida
freqüentemente com gravidez
ectópica, o que já levou
várias pacientes a cirurgia de
urgência, pois ocorre um
atraso menstrual, seguido de
perdas irregulares, dor no
baixo ventre e presença de massa
anexial representada
por um corpo lúteo hemorrágico.
Com estes achados,
há que se pensar naturalmente em
ectópica. Se o diagnóstico
correto for confirmado pela
ultra-sonografia e
bHCG (afastando a gravidez), a
evolução espontânea
seguirá sem maiores problemas.
Sangramento
disfuncional anovulatório
É uma das manifestações clínicas
da anovulação crônica,
qualquer que seja a sua
etiologia, e representa 80%
dos casos de hemorragias
disfuncionais. O sangramento
pode ser leve ou intenso,
constante ou intermitente,
geralmente não associado a
sintomas de tensão prémenstrual,
retenção hídrica ou dismenorréia,
embora
algumas vezes a paciente relate
cólicas devido à passagem
de coágulos pelo canal cervical.
Fisiopatologia
Ciclos anovulatórios podem
ocorrer em qualquer
época do menácme, mas é
particularmente freqüente
nos extremos da vida reprodutiva,
seja logo após a
menarca ou no período
pré-menopausa. Na puberdade,
a anovulação se deve a uma
imaturidade do eixo
Córtex-Hipotálamo-Hipófise-Ovário
(C-H-H-O),
ainda incapaz de levar um
folículo ao estágio maduro
e desencadear o pico ovulatório
de LH. Nesta época é
comum encontrarmos os ovários
policísticos (óbvio, se
existe uma população folicular
adequada e a presença
de FSH, os folículos crescerão
até um diâmetro aproximado
de 6 a 8 milímetros, acumulando
abaixo da
superfície, dando-lhe o aspecto
policístico). No
menácme, a anovulação crônica é
conseqüência geralmente
de um mecanismo de feedback inapropriado,
cujo resultado levará
invariavelmente aos ovários
policísticos. No período
climatérico, a anovulação se deve à falência funcional dos ovários, quando
ainda
produzem estrogênios mas não mais
ovulam e conseqüentemente
não produzem progesterona. Também
os ovários poderão estar
policísticos, desde que exista
ainda uma população folicular
suficiente, porem, não é
a regra.
O sangramento ocorre
superficialmente, na
camada compacta, e representa uma
perda por deprivação
estrogênica (hemorragia de
privação) ou por
níveis estrogênicos incapazes de
manter um estímulo
endometrial constante e adequado
(break through
bleeding, ou hemorragia
de escape),portanto, diferente
da descamação ordenada da camada
funcional do
endométrio que ocorre na
menstruação de ciclos ovulatórios
(figura 1).
A estimulação contínua dos
estrogênios
induzirá uma progressão da
resposta endometrial que
transitará de proliferado a uma
hiperplasia em suas
diversas formas (simples ou
complexa, típica ou atípica),
podendo chegar eventualmente ao
adenocarcinoma.
Na ausência das ações limitantes
da progesterona
sobre a proliferação induzida
pelos estrogênios e da
descamação ordenada da camada
funcional, o
endométrio continuará crescendo,
sem o concomitante
suporte estrutural. Há um aumento
da vascularização
e das glândulas que se apresentam
coladas
umas às outras, sem o devido
arcabouço do estroma de
sustentação e sua malha
reticular. Este tecido torna-se frágil e sofre soluções de continuidade na
superfície,
por onde se exterioriza o
sangramento. Os mecanismos
vasculares de controle da
menstruação normal
acham-se ausentes e o sangramento
não é um fenômeno
universal, atingindo segmentos
isolados da
mucosa. Também não ocorrem os
fenômenos de vasoconstrição
ritmados, nem aumento da
tortuosidade
das artérias espiraladas pela
redução do edema intersticial.
O sangramento é interrompido
somente pela ação
proliferativa cicatricial dos
estrogênios endógenos ou
exógenos. Nestes casos não há
descamação e subseqüente
renovação do endométrio. Haverá
somente
proliferação e aumento contínuo
da espessura da
mucosa intercaladas por perdas
sangüíneas irregulares.
Diagnóstico
O primeiro e mais difícil passo
será afastar causas orgânicas.
Feito isto, o segundo passo será
separar estas
pacientes em dois grupos: as que
estão ovulando (sangramento
disfuncional ovulatório) e as que
não estão
ovulando (sangramento
disfuncional anovulatório).
Isto se faz simplesmente pela
anamnese associada a
qualquer método que comprove a
presença ou ausência
da ovulação (temperatura basal,
dosagem da progesterona,
colpocitologia funcional,
cristalização do
muco cervical, ultra-sonografia
etc). A temperatura
basal é simples, eficiente, não
custa nada e é o suficiente,
além de fornecer informações adicionais.
Na puberdade, o sangramento
uterino anormal
é geralmente disfuncional
(endócrino), tornando-se
progressivamente mais relacionado
com doenças
orgânicas, à medida que se
aproxima da menopausa. O
diagnóstico é portanto mais fácil
na adolescência, tornando-
se mais difícil e complexo na
idade madura,
onde será feito por exclusão das
causas orgânicas.
A simples visão da paciente ao
entrar no consultório
poderá nos alertar para eventual
distúrbio
endócrino tipo obesidade, magreza
excessiva, hirsutismo,
hipotireoidismo ou Cushing, que
poderiam
interferir no eixo C-H-H-O
levando à anovulação. A
história menstrual informará
geralmente uma menarca
na época habitual e ciclos
subseqüentes irregulares no
período e duração, o que, por si
só, fala da possibilidade
de ciclos anovulatórios, pois a
ocorrência é
comum nesta faixa etária e traduz
tão somente a fase
de amadurecimento do eixo
hipotálamo-hipofisário. A
maioria das perdas sangüíneas não
são severas e as adolescentes
podem ser seguidas sem uma
intervenção
ativa até que se estabeleçam os
ciclos ovulatórios.
Entretanto, se o sangramento for
prolongado ou severo,
deveremos afastar um distúrbio da
coagulação.
Estes distúrbios são encontrados
em cerca de 20% das
jovens que são hospitalizadas
devido a sangramento
uterino abundante. Defeitos da
coagulação estão presentes
em cerca de 30% daquelas que
necessitam transfusão
de sangue. A menarca é, para
muitas adolescentes,
a primeira oportunidade que elas
terão de testar
seus mecanismos de coagulação,
por isso, patologias
como doença de Von Willebrand,
deficiência de
protrombina, púrpura
trombocitopênica idiopática, ou
distúrbios que levam a
deficiência ou disfunção plaquetária,
como leucemias e hiperesplenismo,
só serão
suspeitadas ou diagnosticadas
neste período.
Devemos indagar sobre o uso de
medicamentos
que podem interferir na
menstruação, especialmente
hormônios e drogas tipo
sulpirida, metoclopramida,
tranqüilizantes e outras que
atuam no sistema nervoso
central, modificando a ação dos
neurotransmissores
responsáveis pela liberação ou
inibição dos hormônios
hipotalâmicos que regulam a
atividade hipofisária. Se a
paciente tem vida sexual ativa,
indagar se faz uso de
dispositivo intra-uterino.
Um quadro muito comum, especialmente
no
Brasil, campeão mundial de
cesarianas, é o que chamo
de pseudo-divertículo da cicatriz
uterina (1). É tão freqüente
em pacientes com mais de uma
cesariana anterior,
que atualmente dispenso a
comprovação por
métodos de imagem, bastando tão
somente a história
clínica, que é invariavelmente a
mesma: perda
sangüínea escassa, escura, que se
prolonga por 5 a 8 dias após a menstruação normal. É geralmente interpretada
como sangramento disfuncional.
Pela repetição
da cirurgia ou mesmo em cirurgia
única, ocorre
uma cicatrização viciosa da
histerorrafia, formando
uma espécie de vala acessória
transversa na altura do
segmento inferior. Durante o
fluxo menstrual, ela
reterá uma quantidade de sangue
que será lentamente
eliminado após o término da
regra, já parcialmente
metabolizado, apresentando um
aspecto de borra de
café. Por tratar-se de sangue
acumulado na bolsa do
divertículo da cicatriz, portanto
uma causa anatômica,
qualquer forma de tratamento
hormonal será totalmente
ineficaz. Sua identificação é
facilmente constatada
pela histerosalpingografia e pela
hidro-sonografia,
ou suspeitada pela
ultra-sonografia. A comprovação
ou simples explicação do quadro
será o suficiente
para tranqüilizar a paciente,
dispensando qualquer
outra intervenção, que no caso,
resolveria apenas
por uma histerectomia, já que não
faz sentido submeter
esta paciente a uma plástica da
cicatriz uterina.
A biópsia do endométrio,
praticada durante o
sangramento (fora deste período
não terá nenhum
valor, a não ser afastar ou
confirmar um câncer do
endométrio), nos mostrará com
precisão se o ciclo é
ovulatório ou anovulatório, se o
endométrio foi adequada
ou inadequadamente estimulado
pela progesterona,
se há hiperplasia e de que tipo e
fundamentalmente,
nas pacientes acima de 35 anos,
se existe um
adenocarcinoma do endométrio. Mas
lembre-se, estas
informações só serão confiáveis
se a paciente não tiver
feito uso anteriormente de nenhum
medicamento hormonal
pois, neste caso, a biópsia
mostrará simplesmente
a ação deste hormônio sobre o
endométrio e
não o diagnóstico etiológico
funcional.
A histeroscopia, embora
represente um ótimo
método de investigação invasivo
da cavidade endometrial,
não é indispensável na avaliação
do sangramento
uterino anormal (2). O
diagnóstico é essencialmente
clínico, pois sangramento
disfuncional corrige somente
com hormônioterapia. Se não
corrigir, certamente
não é disfuncional, logo, de
causa orgânica.
Vamos então melhorar a nossa
propedêutica. Aqui, a
histeroscopia poderia ser
utilizada, porém, não oferece
vantagens sobre a
hidro-histero-sonografia (3). Percebam
que estamos falando de
sangramento por causa
orgânica e não funcional ou
disfuncional. A figura 2
ilustra bem esta situação onde,
além do pólipo, foi
detectado um mioma intramural. A
ultra-sonografia
simples não identificou o pólipo
e a histeroscopia não
teria identificado o mioma.
Por ser mais simples, melhor
tolerado, mais
barato e disponível em qualquer
centro que tenha um aparelho de ultra-som, dou preferência a este método
propedêutico, reservando a
histeroscopia para o tratamento
dos casos de pólipos, miomas
submucosos ou
ablação do endométrio, onde tem
sua indicação
príncipe.
Tratamento
do sangramento uterino
disfuncional
ovulatório
Por serem variáveis biológicas do
ciclo menstrual normal,
sem maiores conseqüências
clínicas, elas necessitam
apenas esclarecimento. Neste
sentido, podemos
solicitar que a paciente faça o
registro da sua curva de
temperatura basal durante um
ciclo completo. A sua
interpretação junto com a
paciente ajudará a entender
sua fisiologia, ao mesmo tempo
que comprova e
reforça as explicações do médico.
Se, entretanto, os
ciclos forem muito curtos, a
ponto de incomodar a
paciente, ou a perda sangüínea
for abundante ou prolongada,
justifica-se um tratamento
hormonal. Nestas
eventualidades, uma simples
complementação com um
progestogênio na segunda metade
do ciclo, um esquema
cíclico de estrogênio e
progestogênio, ou um anticoncepcional
oral resolverão o problema.
Tratamento
do sangramento uterino
disfuncional
anovulatório
Na
puberdade
Antes de prescrever qualquer
medicação, devemos ter
em mente a fisiopatologia do
processo. Isto já nos indica
que, afastada uma coagulopatia,
estaremos provavelmente
diante de um quadro de
sangramento disfuncional
anovulatório. Como tal, o
sangramento raramente
é intenso, a ponto de exigir uma
solução urgente,
portanto o melhor tratamento é
nenhum tratamento, apenas esclarecimento e observação. Esta conduta é
reforçada pelo fato do
sangramento disfuncional da adolescente
ser uma patologia geralmente
auto-limitada,
pois à medida que o eixo C-H-H-O
amadurece, instalam-
se os ciclos ovulatórios que
corrigem espontaneamente
o sangramento irregular. Nos
casos de sangramento
prolongado, com uma perda
sangüínea maior,
haverá obviamente a necessidade
de tratamento e aqui,
mais uma vez, devemos recorrer à
fisiopatologia. Se a
paciente está sangrando é porque
existe produção
estrogênica adequada, caso
contrário ela não sangraria,
estaria em amenorréia. Portanto,
em princípio, este hormônio
não deve ser empregado. O que a
paciente não
está produzindo é a progesterona
e esta, sim, é a medicação
racional. Sua ação fisiológica é
obtida na dose de
300mg diários de progesterona
pura por via oral durante
10 dias, ou qualquer
progestogênio oral em doses correspondentes
(5 a 10mg de medroxiprogesterona,
1 a
5mg de noretisterona, 5mg de
nomegestrol). A ação
progestacional interromperá
imediatamente o efeito
proliferativo do estrogênio sobre
o endométrio, transformando-
o em endométrio secretor. Por
outro lado, o
progestogênio não promove a
cicatrização (epitelização)
do endométrio e,
conseqüentemente, a interrupção do
sangramento. Este fato deverá ser
comunicado à
paciente, pois ela provavelmente
continuará perdendo
sangue durante o uso da
medicação. Após 10 dias de
tratamento a medicação é suspensa
e 3 a 4 dias depois
ocorrerá uma descamação
fisiológica da camada funcional
do endométrio, correspondendo a
uma menstruação
verdadeira (este processo é
conhecido como curetagem
farmacológica). Portanto, a
paciente poderá continuar
sangrando durante os dias em que
estiver tomando
o medicamento, mais 3 a 4 dias
correspondentes ao
período de deprivação hormonal,
mais os dias da menstruação propriamente dita. Nova série de 10 dias do
progestacional será repetida,
começando no 15º dia
contado a partir do início da
menstruação. Afim de facilitar
o cálculo para a paciente,
pedimos-lhe para iniciar a
segunda série 18 dias após o
término da primeira série (3
a 4 dias correspondendo ao
período que levaria para iniciar
a menstruação, mais os 14 dias da
fase proliferativa)
(figura 3). Após 3 a 4 séries, a
medicação é suspensa e a
paciente observada durante os
próximos ciclos. Caso
ocorram novos atrasos menstruais,
indicando que os ciclos
ovulatórios ainda não se
estabeleceram, nova série
profilática do progestogênio
deverá ser instituída.
Se o quadro hemorrágico for de
grande intensidade,
a ponto de levar a adolescente a
uma anemia profunda,
a interrupção imediata do
sangramento é imperiosa
e nesta situação especial, o
emprego dos
estrogênios estará indicado, seja
isoladamente ou preferentemente
associado ao progestogênio.
Voltemos
mais uma vez à fisiopatologia
(figura 1). O sangramento
ocorre quando os níveis
flutuantes dos estrogênios
caem abaixo de um certo nadir e
interrompe quando os
níveis se elevam. Se elevarmos os
níveis de estrogênios
farmacologicamente, obteremos uma
rápida reepitelização
do endométrio e conseqüente
interrupção do sangramento,
mas ao mesmo tempo, estaremos
provocando
um maior crescimento da espessura
do endométrio,
que fatalmente irá descamar
cessado o estímulo hormonal,
provocando um sangramento ainda
maior.
O estrogênio por via endovenosa
não é mais eficiente
do que por via oral. Quatro
comprimidos ao dia
de 1,25 ou 2,5mg de estrogênios
conjugados (5 a
10mg/dia) são suficientes para
interromper a hemorragia
dentro de 48 horas. Se tal não
ocorrer devemos suspeitar
de uma causa orgânica não
diagnosticada. Uma
vez obtida a hemostasia, o
tratamento combinado com
o progestacional deverá ser
instituído, a fim de transformar transformar
o endométrio proliferado ou
hiperplásico em
secretor, possibilitando uma
descamação fisiológica
após a interrupção da medicação.
O progestogênio
poderá ser acrescentado ao
estrogênio durante 10 dias
ou o estrogênio poderá ser
substituído por uma associação
de estrogênio-progestogênio ou
uma pílula anticoncepcional
combinada, com doses de 30 a 50mg
de
etinil-estradiol (a dose tem que
ser elevada para poder
exercer o efeito farmacológico
desejado), 3 vezes ao
dia, durante 10 dias. Três a
quatro dias após o término
da medicação ocorrerá a
menstruação. A partir daí,
somente o progestacional oral
deverá ser administrado
por mais três ou quatro séries, a
partir do 15º dia do
ciclo, a menos que a paciente
tenha atividade sexual e
prefira fazer uso da pílula como
medida anticoncepcional
(figura 3). Casos de sangramento
moderado
respondem bem aos preparados
seqüenciais, onde os
onze primeiros comprimidos contém
um estrogênio
(2mg de valerato de estradiol) e
os dez seguintes, uma
associação do estrogênio mais um
progestogênio
(0,25mg de levonorgestrel). Após
a primeira série deverão
ser substituídos pelo esquema do
progestogênio
durante 10 dias, a partir do 15º
dia do ciclo.
A não observância da
fisiopatologia do quadro e
do tratamento baseado nestes
princípios tem levado
grande número de pacientes ao meu
consultório, onde
o sangramento inicialmente
disfuncional se transforma
em iatrogênico pela salada
hormonal a que são submetidas.
Curioso é que a história é sempre
a mesma:
começa com Estrogênios Conjugados
por via
endovenosa ou injeção de Acetato
de Noretisterona
associada a Etinil-estradiol, que
suspendem em 48
horas o sangramento. Depois de 4
a 7 dias a paciente
volta a sangrar, o que é lógico,
pois trata-se respectivamente
do sangramento por deprivação ou
da menstruação,
mas aos olhos da paciente e
principalmente da sua
mãe, é o retorno do problema. O
médico, se não raciocinar
de acordo com a fisiopatologia do
quadro, ao ser
contatado pela paciente relatando
o ocorrido, assustado,
prescreve outra injeção dos
mesmos medicamentos,
às vezes em dose dupla e
novamente o quadro se repetirá,
até que a paciente procure outro
colega.
A única medicação complementar
indispensável
é o ferro, que corrigirá a anemia
presente. Drogas como
agentes antifibrinolíticos,
derivados do Ergot, ou
outros hormônios não alteram
significativamente a
resposta aos esquemas
anteriormente sugeridos. Nos
casos de sangramento excessivo, o
emprego dos antiinflamatórios
não esteróide, especialmente os
inibidores da prostaglandina
sintetase, reduzem sensivelmente
a perda sangüínea, equiparando-se
aos
progestogênios.
A curetagem uterina, que é medida
obrigatória
nas pacientes na perimenopausa,
por ser terapêutica e
ao mesmo tempo diagnóstica, não
tem lugar na
paciente adolescente. O
diagnóstico correto e a terapêutica
racional baseada nos
conhecimentos da
fisiopatologia evitarão este
procedimento. O risco de
câncer nesta faixa etária é
desprezível.
No
menacme
Na idade reprodutiva, o
tratamento é basicamente o
mesmo. Lembremos apenas que a
ausência da ovulação
neste período, como na
adolescência, levará fatalmente
ao aparecimento dos ovários
policísticos, pois
eles são simplesmente a expressão
morfológica de um
estado anovulatório crônico,
assim como a hiperplasia
do endométrio.
O objetivo do tratamento poderá
visar também
o hirsutismo, a obesidade, o
hiperinsulinismo ou a
infertilidade. Uma vez controlado
o sangramento
através dos esquemas referidos,
as medidas específicas
para cada uma destas situações
deverão ser adotadas.
No
climatério
O tratamento inicial continua
sendo o mesmo, porém,
o estudo histológico prévio do
endométrio, obtido
através de biópsia ou curetagem é
indispensável, a
menos que a ultra-sonografia
endovaginal revele uma
espessura endometrial inferior a
5mm, o que nestes
casos não é comum, já que quase
sempre estaremos
diante de um endométrio
proliferado ou hiperplásico,
devido à ação não oposta dos
estrogênios. Baseado nos
conhecimentos da dinâmica
hormonal do climatério, o
progestogênio deverá continuar
ciclicamente, até que
surjam sintomas de deficiência
estrogênica quando,
então, este hormônio será
acrescido.
A preocupação primária nesta
faixa etária é afastar
a possibilidade de um câncer do
endométrio. Uma crítica
e um alerta entretanto devem ser
feitos em relação à
curetagem uterina. Diz-se com
freqüência que ela é ao
mesmo tempo diagnóstica e
terapêutica. Diagnóstica,
certamente. Irá nos dizer se o
endométrio é atrófico,
secretor, proliferado,
hiperplásico simples ou complexo,
com atipia ou sem atipia ou ainda
identificar um adenocarcinoma
e o seu tipo histológico.
Terapêutica porém,
somente naquele momento, quando
interromperá o sangramento
pela raspagem da camada funcional.
É fundamental
termos em mente que o mesmo
processo que
levou o endométrio à hiperplasia
(presença contínua de
estrogênio sem a oposição do
progestogênio) persistirá
atuando e, se não tomarmos uma
providência, o quadro
hemorrágico fatalmente retornará.
É óbvio. De uma
paciente com sangramento
disfuncional anovulatório na transição menopausal, não é de se esperar o
retorno das
ovulações, portanto, é
absolutamente indispensável que
continue a tomar o progestogênio
ciclicamente até que
ocorra a menopausa, quando então
poderemos acrescentar
o estrogênio, dando início à
reposição hormonal.
Esta medida prevenirá o
adenocarcinoma do endométrio,
como também evitará uma
histerectomia desnecessária.
É freqüentemente dito a estas pacientes:
- “Minha
filha, nós já fizemos uma
curetagem e o sangramento
voltou. Isto é um mau sinal. O
jeito agora é partirmos
para a histerectomia, senão isto
evoluirá para um câncer!”
Mas, e se não responder ao
tratamento hormonal
e continuar sangrando?
Certamente não será um
sangramento disfuncional.
Teremos que rever a propedêutica.
Se ainda
assim nada encontrarmos, não
restará outra alternativa
senão a histerectomia ou, quem
sabe, a ablação do
endométrio por cirurgia
histeroscópica. A minha
preferência ainda é a
histerectomia, por não deixar
nenhuma chance de sangramento por
outras causas,
inclusive uma pequena área de um
adenocarcinoma
que eventualmente não tenha sido
identificado pela
curetagem. Alias, nesta
eventualidade, por tratar-se de
uma causa orgânica, não
responderá ao tratamento
hormonal e fatalmente voltará a
sangrar, dando-nos
uma segunda chance de acertar o
diagnóstico. A
racionalidade desta conduta, mais
uma vez, baseia-se
no fato de que o sangramento
disfuncional corrige
obrigatoriamente com a
hormônioterapia. Este é um
dos poucos raciocínios
matemáticos aplicáveis em
medicina. Se isto não ocorrer, é
porque não é disfuncional.
Existe com certeza uma causa
orgânica, que se
a propedêutica utilizada não
conseguiu detectá-la, o
histopatologista certamente o
fará e na imensa maioria
das vezes encontrará uma
adenomiose.
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