segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

SANGRAMENTO UTERINO DISFUNCIONAL




SANGRAMENTO UTERINO DISFUNCIONAL


SANGRAMENTO UTERINO DISFUNCIONAL refere-se a
um sangramento uterino anormal, cuja origem se
deve, exclusivamente, a um estímulo hormonal inadequado
sobre o endométrio.

Entretanto, o termo é freqüentemente usado
como sinônimo de sangramento uterino anormal e o
que vemos na prática clínica é um grande número de
sangramentos uterinos anormais provocados por lesões
orgânicas, genitais ou extragenitais, sendo erroneamente
rotulados e tratados como disfuncionais (obviamente
sem sucesso). Até mesmo em eventos médicos
esta confusão se perpetua, pois são inúmeras as mesas
redondas e simpósios com o título especifico “Hemorragia
ou sangramento uterino disfuncional” onde os
tópicos e os expositores se perdem em métodos de
diagnósticos por imagens e tratamentos modernos de
miomas, pólipos, adenomiose, etc. Ora, sangramento
uterino disfuncional já é um diagnóstico fechado e
cabe apenas discutir o tipo da disfunção, as condutas e
modalidades de tratamento.

O termo sangramento uterino anormal é
abrangente, multi-etiológico. Dentre as causas, incluise
a disfunção hormonal. Quando falamos em sangramento
disfuncional, pressupõe-se que todas as outras
causas já foram excluídas. O grande desafio clínico é
exatamente chegar ao diagnóstico preciso de sangramento
uterino disfuncional, pois o tratamento será,
em princípio, exclusivamente hormonal e sem possibilidade
de fracasso. Se falhar, com certeza não será disfuncional.

Neste caso, teremos que melhorar a nossa
propedêutica, para identificar a real causa orgânica.

Este é o primeiro e fundamental axioma: “Sangramento
disfuncional corrige-se com hormônios. Se não
corrigir, não é disfuncional, é orgânico”.


Conceito

Sangramento uterino disfuncional ou endócrino é um
distúrbio freqüente que pode ocorrer em qualquer
época do período reprodutivo da mulher, mas concentra-
se principalmente em seus extremos, ou seja, logo
após a menarca e no período perimenopausa. É
definido como um sangramento uterino irregular, sem
nenhuma causa orgânica (genital ou extragenital)
demonstrável. É, pois, um diagnóstico de exclusão,
feito após cuidadosa eliminação das causas orgânicas
de sangramento uterino representadas pela gravidez e
suas complicações, patologias uterinas e pélvicas
benignas e malignas, e problemas extragenitais, como
distúrbios da coagulação, doenças sistêmicas, endocrinopatias
extra-ovarianas, ou uso de medicamentos que
interferem com a ação hormonal ou com os mecanismos
de coagulação. O diagnóstico etiológico é portanto um desafio ao senso crítico do médico, à sua
perspicácia na observação e interpretação dos sinais e
sintomas, e à sua capacidade de saber utilizar os meios
propedêuticos adequados para a comprovação ou exclusão
das possíveis patologias. Quanto mais minuciosa
e apurada for a propedêutica, mais causas orgânicas
iremos encontrar, especialmente nas pacientes acima
de 35 anos, fazendo com que um aparente sangramento
disfuncional seja então identificado como orgânico.

Aproximadamente 20% das pacientes com sangramento
disfuncional são adolescentes e 50% concentram-
se na faixa dos 40 a 50 anos.

Para conceituar um sangramento uterino
anormal é necessário primeiro estabelecer o que se
considera um sangramento menstrual normal. O
fluxo menstrual médio dura de 3 a 8 dias, com uma
perda sangüínea de 30 a 80ml. O ciclo médio varia
entre 24 e 34 dias (não se preocupem se outros
autores referirem um ou dois dias a mais ou a menos,
é questão puramente semântica, sem nenhuma
importância clínica). Portanto, sangramento uterino
anormal é aquele que apresenta uma alteração em
um ou mais destes três parâmetros, ou seja, um sangramento
excessivo em duração, freqüência ou
quantidade. Com relação a este último parâmetro,
não existe uma maneira prática e objetiva capaz de
medir a quantidade de sangue eliminado, porém, se
o sangue menstrual forma coágulos, provavelmente a
perda é maior que o normal e quanto mais coágulos
maior a perda. A dosagem da hemoglobina confirmará
o excesso, se estiver baixa.

Existe também uma terminologia universal, utilizada
para descrever um sangramento uterino anormal,
à qual devemos nos habituar e respeitar, afim de
não cometermos impropriedades tais como a tão usada
“hipermenorragia”, pois menorragia já é o suficiente,
hiper é pleonasmo:


HipermenorréiaRefere-se a sangramento prolongado,
acima de 8 dias, ou quantidade excessiva,
maior que 80ml, ou à associação de ambos. O volume
excessivo é também denominado menorragia;

Hipomenorréia – Caracteriza um fluxo de
duração menor que 3 dias, ou quantidade inferior a
30ml, ou à associação dos dois quadros;

Polimenorréia – Caracteriza um ciclo cuja freqüência
é inferior a 24 dias;

Oligomenorréia – Refere-se a ciclos que ocorrem
a intervalos acima de 35 dias;

Metrorragia É o sangramento uterino que
ocorre fora do período menstrual;

Menometrorragia - É o sangramento que ocorre
durante o período menstrual e fora dele. É típico dos miomas subserosos ou pólipos endometriais. Começa
como uma hipermenorréia ou menorragia e com o
evoluir, transforma-se em menometrorragia.


Etiologia


O sangramento uterino disfuncional é representado
por duas situações distintas. Aquele que ocorre em
pacientes que estão ovulando e o que ocorre nas
pacientes que não estão ovulando.


Sangramento disfuncional ovulatório

Cerca de 15% das pacientes com sangramento uterino
disfuncional apresentam ciclos ovulatórios. São
descritos os seguintes tipos de sangramento:


Sangramento da ovulação.

Ocorre com mais freqüência
no fim da vida reprodutiva. É geralmente
escasso e coincide com o período ovulatório, que pode
ser identificado pela secreção mucosa, clara, abundante
e filante que se apresenta rajada de sangue e eventualmente
associada à dor da ovulação (Mittelschmerz). O
sangramento pode durar de um a três dias e é possivelmente
secundário à formação de pequenos trombos
nos vasos endometriais conseqüentes à elevação
plasmática dos níveis de estrogênios, mas pode também
ser devida ao sangramento da rotura folicular por
ocasião da ovulação, que é captado pelo óstio tubário.

Pacientes em uso de anticoagulantes estão mais sujeitas
a este tipo de sangramento, podendo às vezes chegar
até à formação de hemoperitôneo;

Polimenorréia. Refere-se a ciclo ovulatório com
menos de 24 dias de intervalo e é geralmente devida a
um encurtamento da fase folicular, embora possa também
ocorrer uma diminuição da fase lútea ou de
ambas. A temperatura basal identificará com precisão
estas alterações;

Descamação irregular. É caracterizada por sangramento
prolongado e abundante com intervalos regulares.

A biópsia do endométrio praticada pelo menos
5 dias após o início do sangramento mostrará um
aspecto de endométrio misto, onde identificam-se histologicamente
áreas de secreção avançada, reepitelização
endometrial incompleta e proliferação inicial. Este
quadro sugere uma regressão retardada do corpo lúteo,
fazendo com que ainda persistam áreas sob a ação da
progesterona do ciclo anterior juntamente com áreas
de proliferação estrogênica do ciclo atual;


Sangramento pré-menstrual.

Caracterizado por perda escassa de sangue, geralmente escuro, tipo borra
de café, que antecede de alguns dias o sangramento
menstrual. Também mais freqüente no fim da vida
reprodutiva (acima dos 35 anos) e associada a uma
deficiente produção de progesterona. Deve nos alertar também para a possibilidade de uma endometriose;

Hipermenorréia ou menorragia.

Freqüentemente
devida a causas orgânicas como miomas, pólipos,
adenomiose e distúrbios da coagulação que cursam
paralelo com ciclos ovulatórios. Merece portanto
atenção especial, pois é praticamente um diagnóstico
por exclusão. A congestão uterina crônica provocada
por uma retroversão uterina ou disfunção orgásmica
(síndrome de Taylor) podem também provocar um
sangramento escuro e prolongado;


Persistência do corpo lúteo (Sindrome de Halban).


Não recorre de maneira cíclica. É episódio
esporádico e o diagnóstico geralmente não é feito,
porque não se pensa nesta possibilidade. É confundida
freqüentemente com gravidez ectópica, o que já levou
várias pacientes a cirurgia de urgência, pois ocorre um
atraso menstrual, seguido de perdas irregulares, dor no
baixo ventre e presença de massa anexial representada
por um corpo lúteo hemorrágico. Com estes achados,
há que se pensar naturalmente em ectópica. Se o diagnóstico
correto for confirmado pela ultra-sonografia e
bHCG (afastando a gravidez), a evolução espontânea
seguirá sem maiores problemas.


Sangramento disfuncional anovulatório

É uma das manifestações clínicas da anovulação crônica,
qualquer que seja a sua etiologia, e representa 80%
dos casos de hemorragias disfuncionais. O sangramento
pode ser leve ou intenso, constante ou intermitente,
geralmente não associado a sintomas de tensão prémenstrual,
retenção hídrica ou dismenorréia, embora
algumas vezes a paciente relate cólicas devido à passagem
de coágulos pelo canal cervical.


Fisiopatologia

Ciclos anovulatórios podem ocorrer em qualquer
época do menácme, mas é particularmente freqüente
nos extremos da vida reprodutiva, seja logo após a
menarca ou no período pré-menopausa. Na puberdade,
a anovulação se deve a uma imaturidade do eixo
Córtex-Hipotálamo-Hipófise-Ovário (C-H-H-O),
ainda incapaz de levar um folículo ao estágio maduro
e desencadear o pico ovulatório de LH. Nesta época é
comum encontrarmos os ovários policísticos (óbvio, se
existe uma população folicular adequada e a presença
de FSH, os folículos crescerão até um diâmetro aproximado
de 6 a 8 milímetros, acumulando abaixo da
superfície, dando-lhe o aspecto policístico). No
menácme, a anovulação crônica é conseqüência geralmente
de um mecanismo de feedback inapropriado,
cujo resultado levará invariavelmente aos ovários
policísticos. No período climatérico, a anovulação se deve à falência funcional dos ovários, quando ainda
produzem estrogênios mas não mais ovulam e conseqüentemente
não produzem progesterona. Também
os ovários poderão estar policísticos, desde que exista
ainda uma população folicular suficiente, porem, não é
a regra.

O sangramento ocorre superficialmente, na
camada compacta, e representa uma perda por deprivação
estrogênica (hemorragia de privação) ou por
níveis estrogênicos incapazes de manter um estímulo
endometrial constante e adequado (break through
bleeding, ou hemorragia de escape),portanto, diferente
da descamação ordenada da camada funcional do
endométrio que ocorre na menstruação de ciclos ovulatórios
(figura 1).

A estimulação contínua dos estrogênios
induzirá uma progressão da resposta endometrial que
transitará de proliferado a uma hiperplasia em suas
diversas formas (simples ou complexa, típica ou atípica),
podendo chegar eventualmente ao adenocarcinoma.

Na ausência das ações limitantes da progesterona
sobre a proliferação induzida pelos estrogênios e da
descamação ordenada da camada funcional, o
endométrio continuará crescendo, sem o concomitante
suporte estrutural. Há um aumento da vascularização
e das glândulas que se apresentam coladas
umas às outras, sem o devido arcabouço do estroma de
sustentação e sua malha reticular. Este tecido torna-se frágil e sofre soluções de continuidade na superfície,
por onde se exterioriza o sangramento. Os mecanismos
vasculares de controle da menstruação normal
acham-se ausentes e o sangramento não é um fenômeno
universal, atingindo segmentos isolados da
mucosa. Também não ocorrem os fenômenos de vasoconstrição
ritmados, nem aumento da tortuosidade
das artérias espiraladas pela redução do edema intersticial.

O sangramento é interrompido somente pela ação
proliferativa cicatricial dos estrogênios endógenos ou
exógenos. Nestes casos não há descamação e subseqüente
renovação do endométrio. Haverá somente
proliferação e aumento contínuo da espessura da
mucosa intercaladas por perdas sangüíneas irregulares.


Diagnóstico

O primeiro e mais difícil passo será afastar causas orgânicas.
Feito isto, o segundo passo será separar estas
pacientes em dois grupos: as que estão ovulando (sangramento
disfuncional ovulatório) e as que não estão
ovulando (sangramento disfuncional anovulatório).

Isto se faz simplesmente pela anamnese associada a
qualquer método que comprove a presença ou ausência
da ovulação (temperatura basal, dosagem da progesterona,
colpocitologia funcional, cristalização do
muco cervical, ultra-sonografia etc). A temperatura
basal é simples, eficiente, não custa nada e é o suficiente,
além de fornecer informações adicionais.

Na puberdade, o sangramento uterino anormal
é geralmente disfuncional (endócrino), tornando-se
progressivamente mais relacionado com doenças
orgânicas, à medida que se aproxima da menopausa. O
diagnóstico é portanto mais fácil na adolescência, tornando-
se mais difícil e complexo na idade madura,
onde será feito por exclusão das causas orgânicas.

A simples visão da paciente ao entrar no consultório
poderá nos alertar para eventual distúrbio
endócrino tipo obesidade, magreza excessiva, hirsutismo,
hipotireoidismo ou Cushing, que poderiam
interferir no eixo C-H-H-O levando à anovulação. A
história menstrual informará geralmente uma menarca
na época habitual e ciclos subseqüentes irregulares no
período e duração, o que, por si só, fala da possibilidade
de ciclos anovulatórios, pois a ocorrência é
comum nesta faixa etária e traduz tão somente a fase
de amadurecimento do eixo hipotálamo-hipofisário. A
maioria das perdas sangüíneas não são severas e as adolescentes
podem ser seguidas sem uma intervenção
ativa até que se estabeleçam os ciclos ovulatórios.

Entretanto, se o sangramento for prolongado ou severo,
deveremos afastar um distúrbio da coagulação.

Estes distúrbios são encontrados em cerca de 20% das
jovens que são hospitalizadas devido a sangramento
uterino abundante. Defeitos da coagulação estão presentes
em cerca de 30% daquelas que necessitam transfusão
de sangue. A menarca é, para muitas adolescentes,
a primeira oportunidade que elas terão de testar
seus mecanismos de coagulação, por isso, patologias
como doença de Von Willebrand, deficiência de
protrombina, púrpura trombocitopênica idiopática, ou
distúrbios que levam a deficiência ou disfunção plaquetária,
como leucemias e hiperesplenismo, só serão
suspeitadas ou diagnosticadas neste período.

Devemos indagar sobre o uso de medicamentos
que podem interferir na menstruação, especialmente
hormônios e drogas tipo sulpirida, metoclopramida,
tranqüilizantes e outras que atuam no sistema nervoso
central, modificando a ação dos neurotransmissores
responsáveis pela liberação ou inibição dos hormônios
hipotalâmicos que regulam a atividade hipofisária. Se a
paciente tem vida sexual ativa, indagar se faz uso de
dispositivo intra-uterino.

Um quadro muito comum, especialmente no
Brasil, campeão mundial de cesarianas, é o que chamo
de pseudo-divertículo da cicatriz uterina (1). É tão freqüente
em pacientes com mais de uma cesariana anterior,
que atualmente dispenso a comprovação por
métodos de imagem, bastando tão somente a história
clínica, que é invariavelmente a mesma: perda
sangüínea escassa, escura, que se prolonga por 5 a 8 dias após a menstruação normal. É geralmente interpretada
como sangramento disfuncional. Pela repetição
da cirurgia ou mesmo em cirurgia única, ocorre
uma cicatrização viciosa da histerorrafia, formando
uma espécie de vala acessória transversa na altura do
segmento inferior. Durante o fluxo menstrual, ela
reterá uma quantidade de sangue que será lentamente
eliminado após o término da regra, já parcialmente
metabolizado, apresentando um aspecto de borra de
café. Por tratar-se de sangue acumulado na bolsa do
divertículo da cicatriz, portanto uma causa anatômica,
qualquer forma de tratamento hormonal será totalmente
ineficaz. Sua identificação é facilmente constatada
pela histerosalpingografia e pela hidro-sonografia,
ou suspeitada pela ultra-sonografia. A comprovação
ou simples explicação do quadro será o suficiente
para tranqüilizar a paciente, dispensando qualquer
outra intervenção, que no caso, resolveria apenas
por uma histerectomia, já que não faz sentido submeter
esta paciente a uma plástica da cicatriz uterina.

A biópsia do endométrio, praticada durante o
sangramento (fora deste período não terá nenhum
valor, a não ser afastar ou confirmar um câncer do
endométrio), nos mostrará com precisão se o ciclo é
ovulatório ou anovulatório, se o endométrio foi adequada
ou inadequadamente estimulado pela progesterona,
se há hiperplasia e de que tipo e fundamentalmente,
nas pacientes acima de 35 anos, se existe um
adenocarcinoma do endométrio. Mas lembre-se, estas
informações só serão confiáveis se a paciente não tiver
feito uso anteriormente de nenhum medicamento hormonal
pois, neste caso, a biópsia mostrará simplesmente
a ação deste hormônio sobre o endométrio e
não o diagnóstico etiológico funcional.

A histeroscopia, embora represente um ótimo
método de investigação invasivo da cavidade endometrial,
não é indispensável na avaliação do sangramento
uterino anormal (2). O diagnóstico é essencialmente
clínico, pois sangramento disfuncional corrige somente
com hormônioterapia. Se não corrigir, certamente
não é disfuncional, logo, de causa orgânica.

Vamos então melhorar a nossa propedêutica. Aqui, a
histeroscopia poderia ser utilizada, porém, não oferece
vantagens sobre a hidro-histero-sonografia (3). Percebam
que estamos falando de sangramento por causa
orgânica e não funcional ou disfuncional. A figura 2
ilustra bem esta situação onde, além do pólipo, foi
detectado um mioma intramural. A ultra-sonografia
simples não identificou o pólipo e a histeroscopia não
teria identificado o mioma.

Por ser mais simples, melhor tolerado, mais
barato e disponível em qualquer centro que tenha um aparelho de ultra-som, dou preferência a este método
propedêutico, reservando a histeroscopia para o tratamento
dos casos de pólipos, miomas submucosos ou
ablação do endométrio, onde tem sua indicação
príncipe.


Tratamento do sangramento uterino
disfuncional ovulatório


Por serem variáveis biológicas do ciclo menstrual normal,
sem maiores conseqüências clínicas, elas necessitam
apenas esclarecimento. Neste sentido, podemos
solicitar que a paciente faça o registro da sua curva de
temperatura basal durante um ciclo completo. A sua
interpretação junto com a paciente ajudará a entender
sua fisiologia, ao mesmo tempo que comprova e
reforça as explicações do médico. Se, entretanto, os
ciclos forem muito curtos, a ponto de incomodar a
paciente, ou a perda sangüínea for abundante ou prolongada,
justifica-se um tratamento hormonal. Nestas
eventualidades, uma simples complementação com um
progestogênio na segunda metade do ciclo, um esquema
cíclico de estrogênio e progestogênio, ou um anticoncepcional
oral resolverão o problema.


Tratamento do sangramento uterino
disfuncional anovulatório


Na puberdade

Antes de prescrever qualquer medicação, devemos ter
em mente a fisiopatologia do processo. Isto já nos indica
que, afastada uma coagulopatia, estaremos provavelmente
diante de um quadro de sangramento disfuncional
anovulatório. Como tal, o sangramento raramente
é intenso, a ponto de exigir uma solução urgente,
portanto o melhor tratamento é nenhum tratamento, apenas esclarecimento e observação. Esta conduta é
reforçada pelo fato do sangramento disfuncional da adolescente
ser uma patologia geralmente auto-limitada,
pois à medida que o eixo C-H-H-O amadurece, instalam-
se os ciclos ovulatórios que corrigem espontaneamente
o sangramento irregular. Nos casos de sangramento
prolongado, com uma perda sangüínea maior,
haverá obviamente a necessidade de tratamento e aqui,
mais uma vez, devemos recorrer à fisiopatologia. Se a
paciente está sangrando é porque existe produção
estrogênica adequada, caso contrário ela não sangraria,
estaria em amenorréia. Portanto, em princípio, este hormônio
não deve ser empregado. O que a paciente não
está produzindo é a progesterona e esta, sim, é a medicação
racional. Sua ação fisiológica é obtida na dose de
300mg diários de progesterona pura por via oral durante
10 dias, ou qualquer progestogênio oral em doses correspondentes
(5 a 10mg de medroxiprogesterona, 1 a
5mg de noretisterona, 5mg de nomegestrol). A ação
progestacional interromperá imediatamente o efeito
proliferativo do estrogênio sobre o endométrio, transformando-
o em endométrio secretor. Por outro lado, o
progestogênio não promove a cicatrização (epitelização)
do endométrio e, conseqüentemente, a interrupção do
sangramento. Este fato deverá ser comunicado à
paciente, pois ela provavelmente continuará perdendo
sangue durante o uso da medicação. Após 10 dias de
tratamento a medicação é suspensa e 3 a 4 dias depois
ocorrerá uma descamação fisiológica da camada funcional
do endométrio, correspondendo a uma menstruação
verdadeira (este processo é conhecido como curetagem
farmacológica). Portanto, a paciente poderá continuar
sangrando durante os dias em que estiver tomando
o medicamento, mais 3 a 4 dias correspondentes ao
período de deprivação hormonal, mais os dias da menstruação propriamente dita. Nova série de 10 dias do
progestacional será repetida, começando no 15º dia
contado a partir do início da menstruação. Afim de facilitar
o cálculo para a paciente, pedimos-lhe para iniciar a
segunda série 18 dias após o término da primeira série (3
a 4 dias correspondendo ao período que levaria para iniciar
a menstruação, mais os 14 dias da fase proliferativa)
(figura 3). Após 3 a 4 séries, a medicação é suspensa e a
paciente observada durante os próximos ciclos. Caso
ocorram novos atrasos menstruais, indicando que os ciclos
ovulatórios ainda não se estabeleceram, nova série
profilática do progestogênio deverá ser instituída.

Se o quadro hemorrágico for de grande intensidade,
a ponto de levar a adolescente a uma anemia profunda,
a interrupção imediata do sangramento é imperiosa
e nesta situação especial, o emprego dos
estrogênios estará indicado, seja isoladamente ou preferentemente
associado ao progestogênio. Voltemos
mais uma vez à fisiopatologia (figura 1). O sangramento
ocorre quando os níveis flutuantes dos estrogênios
caem abaixo de um certo nadir e interrompe quando os
níveis se elevam. Se elevarmos os níveis de estrogênios
farmacologicamente, obteremos uma rápida reepitelização
do endométrio e conseqüente interrupção do sangramento,
mas ao mesmo tempo, estaremos provocando
um maior crescimento da espessura do endométrio,
que fatalmente irá descamar cessado o estímulo hormonal,
provocando um sangramento ainda maior.
O estrogênio por via endovenosa não é mais eficiente
do que por via oral. Quatro comprimidos ao dia
de 1,25 ou 2,5mg de estrogênios conjugados (5 a
10mg/dia) são suficientes para interromper a hemorragia
dentro de 48 horas. Se tal não ocorrer devemos suspeitar
de uma causa orgânica não diagnosticada. Uma
vez obtida a hemostasia, o tratamento combinado com
o progestacional deverá ser instituído, a fim de transformar transformar
o endométrio proliferado ou hiperplásico em
secretor, possibilitando uma descamação fisiológica
após a interrupção da medicação. O progestogênio
poderá ser acrescentado ao estrogênio durante 10 dias
ou o estrogênio poderá ser substituído por uma associação
de estrogênio-progestogênio ou uma pílula anticoncepcional
combinada, com doses de 30 a 50mg de
etinil-estradiol (a dose tem que ser elevada para poder
exercer o efeito farmacológico desejado), 3 vezes ao
dia, durante 10 dias. Três a quatro dias após o término
da medicação ocorrerá a menstruação. A partir daí,
somente o progestacional oral deverá ser administrado
por mais três ou quatro séries, a partir do 15º dia do
ciclo, a menos que a paciente tenha atividade sexual e
prefira fazer uso da pílula como medida anticoncepcional
(figura 3). Casos de sangramento moderado
respondem bem aos preparados seqüenciais, onde os
onze primeiros comprimidos contém um estrogênio
(2mg de valerato de estradiol) e os dez seguintes, uma
associação do estrogênio mais um progestogênio
(0,25mg de levonorgestrel). Após a primeira série deverão
ser substituídos pelo esquema do progestogênio
durante 10 dias, a partir do 15º dia do ciclo.

A não observância da fisiopatologia do quadro e
do tratamento baseado nestes princípios tem levado
grande número de pacientes ao meu consultório, onde
o sangramento inicialmente disfuncional se transforma
em iatrogênico pela salada hormonal a que são submetidas.

Curioso é que a história é sempre a mesma:
começa com Estrogênios Conjugados por via
endovenosa ou injeção de Acetato de Noretisterona
associada a Etinil-estradiol, que suspendem em 48
horas o sangramento. Depois de 4 a 7 dias a paciente
volta a sangrar, o que é lógico, pois trata-se respectivamente
do sangramento por deprivação ou da menstruação,
mas aos olhos da paciente e principalmente da sua
mãe, é o retorno do problema. O médico, se não raciocinar
de acordo com a fisiopatologia do quadro, ao ser
contatado pela paciente relatando o ocorrido, assustado,
prescreve outra injeção dos mesmos medicamentos,
às vezes em dose dupla e novamente o quadro se repetirá,
até que a paciente procure outro colega.

A única medicação complementar indispensável
é o ferro, que corrigirá a anemia presente. Drogas como
agentes antifibrinolíticos, derivados do Ergot, ou
outros hormônios não alteram significativamente a
resposta aos esquemas anteriormente sugeridos. Nos
casos de sangramento excessivo, o emprego dos antiinflamatórios
não esteróide, especialmente os
inibidores da prostaglandina sintetase, reduzem sensivelmente
a perda sangüínea, equiparando-se aos
progestogênios.

A curetagem uterina, que é medida obrigatória
nas pacientes na perimenopausa, por ser terapêutica e
ao mesmo tempo diagnóstica, não tem lugar na
paciente adolescente. O diagnóstico correto e a terapêutica
racional baseada nos conhecimentos da
fisiopatologia evitarão este procedimento. O risco de
câncer nesta faixa etária é desprezível.


No menacme

Na idade reprodutiva, o tratamento é basicamente o
mesmo. Lembremos apenas que a ausência da ovulação
neste período, como na adolescência, levará fatalmente
ao aparecimento dos ovários policísticos, pois
eles são simplesmente a expressão morfológica de um
estado anovulatório crônico, assim como a hiperplasia
do endométrio.

O objetivo do tratamento poderá visar também
o hirsutismo, a obesidade, o hiperinsulinismo ou a
infertilidade. Uma vez controlado o sangramento
através dos esquemas referidos, as medidas específicas
para cada uma destas situações deverão ser adotadas.

No climatério

O tratamento inicial continua sendo o mesmo, porém,
o estudo histológico prévio do endométrio, obtido
através de biópsia ou curetagem é indispensável, a
menos que a ultra-sonografia endovaginal revele uma
espessura endometrial inferior a 5mm, o que nestes
casos não é comum, já que quase sempre estaremos
diante de um endométrio proliferado ou hiperplásico,
devido à ação não oposta dos estrogênios. Baseado nos
conhecimentos da dinâmica hormonal do climatério, o
progestogênio deverá continuar ciclicamente, até que
surjam sintomas de deficiência estrogênica quando,
então, este hormônio será acrescido.

A preocupação primária nesta faixa etária é afastar
a possibilidade de um câncer do endométrio. Uma crítica
e um alerta entretanto devem ser feitos em relação à
curetagem uterina. Diz-se com freqüência que ela é ao
mesmo tempo diagnóstica e terapêutica. Diagnóstica,
certamente. Irá nos dizer se o endométrio é atrófico,
secretor, proliferado, hiperplásico simples ou complexo,
com atipia ou sem atipia ou ainda identificar um adenocarcinoma
e o seu tipo histológico.  Terapêutica porém,
somente naquele momento, quando interromperá o sangramento
pela raspagem da camada funcional. É fundamental
termos em mente que o mesmo processo que
levou o endométrio à hiperplasia (presença contínua de
estrogênio sem a oposição do progestogênio) persistirá
atuando e, se não tomarmos uma providência, o quadro
hemorrágico fatalmente retornará. É óbvio. De uma
paciente com sangramento disfuncional anovulatório na transição menopausal, não é de se esperar o retorno das
ovulações, portanto, é absolutamente indispensável que
continue a tomar o progestogênio ciclicamente até que
ocorra a menopausa, quando então poderemos acrescentar
o estrogênio, dando início à reposição hormonal.
Esta medida prevenirá o adenocarcinoma do endométrio,
como também evitará uma histerectomia desnecessária.

É freqüentemente dito a estas pacientes: - “Minha
filha, nós já fizemos uma curetagem e o sangramento
voltou. Isto é um mau sinal. O jeito agora é partirmos
para a histerectomia, senão isto evoluirá para um câncer!”

Mas, e se não responder ao tratamento hormonal
e continuar sangrando?

Certamente não será um sangramento disfuncional.
Teremos que rever a propedêutica. Se ainda
assim nada encontrarmos, não restará outra alternativa
senão a histerectomia ou, quem sabe, a ablação do
endométrio por cirurgia histeroscópica. A minha
preferência ainda é a histerectomia, por não deixar
nenhuma chance de sangramento por outras causas,
inclusive uma pequena área de um adenocarcinoma
que eventualmente não tenha sido identificado pela
curetagem.   Alias, nesta eventualidade, por tratar-se de
uma causa orgânica, não responderá ao tratamento
hormonal e fatalmente voltará a sangrar, dando-nos
uma segunda chance de acertar o diagnóstico. A
racionalidade desta conduta, mais uma vez, baseia-se
no fato de que o sangramento disfuncional corrige
obrigatoriamente com a hormônioterapia. Este é um
dos poucos raciocínios matemáticos aplicáveis em
medicina. Se isto não ocorrer, é porque não é disfuncional.

Existe com certeza uma causa orgânica, que se
a propedêutica utilizada não conseguiu detectá-la, o
histopatologista certamente o fará e na imensa maioria
das vezes encontrará uma adenomiose.

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