terça-feira, 11 de fevereiro de 2014
Histerosalpingografia - Introdução ao estudo da radiologia ginecológica | 77 más-formações genitais
Histerosalpingografia - Introdução ao estudo da radiologia ginecológica | 77
más-formações genitais
INTRODUÇÃO
Uma das mais precisas e fascinantes indicações da HSG é no estudo das más-formações
genitais, com especial destaque para as más-formações uterinas. Também a ressonância
magnética e a USG tridimensional são capazes de classificá-las com precisão.
Na mulher adulta, o útero está geralmente representado como um órgão único, centrado
na cavidade pélvica, móvel, sofrendo deslocamentos para diante ou para trás, na
dependência da repleção ou não da bexiga e do reto. Possui uma cavidade única, com
a forma triangular; tem sua base voltada para cima e seu vértice na direção do eixo cérvico-
vaginal. A cavidade endometrial possui bordas uniformes, guarda uma proporção
corpo-colo na média de 4 x 3 centímetros. Algumas variações, assinaladas no capítulo
Anatomia radiológica do útero normal, são ainda consideradas como normais em relação
ao tipo padrão acima descrito.
Na mulher, durante o desenvolvimento embrionário dos órgãos genitais, ela deverá
cumprir determinadas etapas evolutivas, razão pela qual, se ocorrer qualquer interferência,
omissão ou parada, numa determinada fase deste desenvolvimento, ela poderá
exibir uma variada morfologia de úteros, os quais são normais em outros animais da
escala zoológica. O útero duplo com colo único ou duplo com vagina simples. O didelfo
com dupla vagina é normal entre os marsupiais, especialmente na família dos cangurus.
A falta de união na porção superior, da porção média do canal de Müller terá como
consequência o útero bicorno, normal nas vacas. Um sumário da embriologia dos órgãos
genitais na mulher será de grande valia para a interpretação e diagnóstico das diferentes
másformações genitais.
Os ductos de Müler, a princípio representados por cordões sólidos, aparecem na 6ª
semana da vida intrauterina, na parede posterior do abdome, ao lado do mesonefros.
Inicialmente sólidos, vão progressivamente se canalizando à medida que vão descendo
no sentido crânio-caudal, fundindo-se na sua porção média e inferior. Os segmentos
superiores, que vão dar origem às trompas, nunca se fundem. Os dois cordões,
unindo-se entre si, formam um septo mediano, tanto na região uterina como vaginal,
que será reabsorvido e posteriormente transformará o útero e a vagina em órgãos com
uma cavidade única. A porção caudal dos ductos müllerianos, chamada de tubérculo
mülleriano, alcança a parede posterior do seio urogenital por volta da 9ª semana de
desenvolvimento intrauterino. Nesta região, o bulbo sino-vaginal se destaca, prolifera
rapidamente, formando a chamada placa vaginal. Pelo 5º mês, esta placa se alonga,
canaliza-se, formando a vagina que é então revestida de epitélio escamoso à custa do
seio uro-genital. O hímen, uma membrana transversa perfurada, se forma onde a placa
vaginal encontra a parte mais baixa do seio uro-genital. Ele poderá apresentar-se de
diferentes formas, tais como hímen cribiforme, septado, imperfurado, complacente e,
muito raramente, pode estar ausente. No caso de hímen imperfurado, há o perigo de
quando tiver início o ciclo menstrual, haver retenção dos mênstruos na cavidade vaginal
com formação de um hematocolpo. O útero se forma à custa da fusão da parte medial
oca dos ductos müllerianos.
Quando os cordões de Müller não se fundem regularmente, total ou parcialmente,
vão gerar os úteros bicornos, úteros duplos com dupla vagina (didelfia). Uma alteração
na absorção dos septos uterino ou vaginal, tanto total como parcialmente, gerará
os úteros subseptados ou com septamento total. O mesmo ocorre em relação à vagina.
Pode ocorrer que um dos canais de Müller não se tunelize totalmente, permanecendo
fechado na sua porção terminal, podendo gerar uma vagina sem abertura (vagina cega).
Ela poderá ser responsável pela formação de um hematocolpo logo que a sua portadora
inicie o ciclo menstrual. Nestes casos, a USG transvaginal será de grande utilidade
no diagnóstico. Pode ocorrer também a falta de desenvolvimento de um dos canais de
Müller, condicionando a formação do chamado útero unicorno simples, quase sempre
com a presença de um corno acessório.
A falta de desenvolvimento dos ductos de Müller é responsável pela chamada “ausência
congênita do útero e vagina”, Síndrome de Mayer-Rokitansky. Nestes casos, as
trompas e os ovários são normais, com um cariótipo 46 XX, e as suas portadoras exibem
quase sempre um tipo feminino puro. A expressão “ausência congênita do útero e
vagina” deveria ser substituída pela expressão “aplasia do útero e vagina”, uma vez que,
através da ressonância magnética ou de uma laparoscopia diagnóstica, sempre se detecta
um pequeno útero rudimentar sólido; demonstrando assim, que na verdade, não
houve falta de formação e sim falta de desenvolvimento.
Diante do diagnóstico de qualquer tipo de má-formação genital, é obrigatório um
estudo completo da árvore urinária, seja por uma urografia excretora ou pela USG, em
virtude da frequência com que são registradas anomalias concomitantes. A agenesia
bilateral das trompas de Falópio representa uma afecção muito rara na literatura médica
mundial. Agenesia unilateral foi registrada unicamente associada ao útero unicorno.
Nas trompas, foram relatados, no entanto, casos com divertículos nos seus diferentes
segmentos, pavilhões tubários acessórios, atresia congênita total ou parcial, fibroses
segmentares, trompas filiformes. Estas lesões poderão ser detectadas através de uma
laparoscopia diagnóstica ou achadas no curso de uma cirurgia pélvica.
Histerosalpingografia - Introdução ao estudo da radiologia ginecológica | 79
ANOMALIAS CONGÊNITAS DO APARELHO GENITAL
FEMININO
Classificação Etiopatogênica1
1) Anomalias devido à falta de fusão parcial ou total dos condutos de Müller ou
falta de desenvolvimento de um dos condutos:
Útero bicorno;
Útero duplo (didelfo) com vagina simples ou dupla;
Útero unicorno (com corno acessório rudimentar, permeável ou não).
2) Anomalias devido à falta de absorção dos septos uterino e vaginal, parcial ou
totalmente:
Útero subseptado
Útero com septamento total (útero duplo com duplo colo ou colo único)
Vagina com septamento total (vagina dupla)
Vagina com septamentos parciais. (longitudinais ou transversos)
3) Anomalias devidas à falta de desenvolvimento dos condutos de Müller:
Aplasia congênita do útero e vagina (Síndrome de Rokitanski Mayer)
4) Anomalias do hímen:
Hímen cribiforme
Hímen imperfurado
Hímen complacente
Ausência congênita (aplasia total)
Hímen septado
Estudo clínico, radiológico e representações gráficas
Uterus Arcuatus - o útero arcuado, do ponto de vista radiológico, caracteriza-se
por uma alteração no fundo da cavidade uterina, seja por um abaulamento para
cima, conhecido como útero arcuato foras ou então para baixo, caracterizando o
chamado útero arcuato introssum. Para a grande maioria dos autores, estas duas
variedades são consideradas como variantes ainda normais da anatomia
radiológica do útero humano. Elas não são responsáveis por nenhuma implicação
com relação à fertilidade humana, assim como no que tange à gestação e ao
parto. Alguns autores correlacionaram estes achados como responsáveis pela
expulsão espontânea dos DIU, justificando este acontecimento devido a esta
alteração no fundo do útero, especialmente no arcuato introssum, condicionando
a uma redução no espaço disponível na cavidade uterina e na abertura da asa
horizontal do DIU, devido à projeção do fundo para a cavidade uterina. Nesta
situação, o DIU com cobre (T) deverá ser substituído pelo DIU medicado
(Mirena).
Úteros septado e subseptado - responsabilizados por 8 a 15% dos abortos espontâneos,
são resultantes de uma redução na cavidade uterina, bem como de uma
deficiente circulação sanguínea, especialmente quando o ovo se implanta no septo
uterino. O histerosalpingograma exibe uma imagem, no caso de um útero subseptado,
que pode ser confundida com um útero bicorno. No primeiro caso, o fundo do
útero é plano, o que não ocorre com um útero bicorno, no qual há um sulco entre
os dois cornos. Durante a HSG, é possível, na grande maioria dos casos com uma
incidência oblíqua, poder diferenciá-los. Persistindo a dúvida e para um diagnóstico
final, haverá o recurso da USG transvaginal tridimensional, da laparoscopia diagnóstica
e, com maior precisão, da ressonância magnética. Em algumas pacientes,
pelo toque vaginal combinado é possível fazer também o diagnóstico diferencial.
No útero com septamento total, as duas cavidades também podem ser confundidas
com o útero duplo, devido à falta de união dos dois canais de Müller, porém,
um detalhe radiológico poderá esclarecer o diagnóstico. No útero duplo por falta
de absorção do septo uterino, as duas cavidades estão paralelas entre si, diferentes
das do útero didelfo que, por falta de união dos canais de Müller, suas cavidades
estão separadas. Quando ocorre uma gestação em útero com as anomalias
acima referidas, é possível fazer-se o diagnóstico ecográfico através de um detalhe
na imagem, caracterizada por um ecolinear ecogênico que se estende do fundo do
útero, separando a cavidade amniótica em duas partes. Quando o ovo se implanta
no septo, o doppler vascular indicará ou não uma insuficiência circulatória.
Histerosalpingografia - Introdução ao estudo da radiologia ginecológica | 81
Figura 84 - T.B.L.S. 23 anos. Útero com septamento total. Dois colos e vagina simples. Gestação tópica no
hemiútero direito. 8 semanas e 2 dias.
Figura 85 - Mesma paciente. Notar o eco linear ecogênico se estendendo do fundo do útero. Evolução da
gestação até o termo sem complicações. Parto cesareano.
Na USG transvaginal, o útero bicorno mostra um fundo com dois cornos isolados e
uma cavidade endometrial ecogênica em cada corno, especialmente se a USG transvaginal
for realizada na fase secretora avançada do ciclo menstrual.
O útero didelfo com vagina única ou dupla (esta última representada por 75% dos
casos) se caracteriza, do ponto de vista embriológico, pela falta de fusão dos dois canais
de Müller, resultando assim em dois hemiúteros separados e dois colos. Os dois hemiúteros
poderão apresentar volumes desiguais, o mesmo ocorrendo com os colos. Na
vagina também poderá haver variações no calibre e na extensão, bem como na sua permeabilidade.
Quando ocorre que uma das vaginas esteja obstruída na sua porção distal
e quando se iniciar o ciclo menstrual poderá haver, com o correr dos ciclos, a formação
de um hematocolpo, o qual poderá se estender até a cavidade uterina (hematométrio),
atigindo as trompas (hematosalpinge). Este incidente ocorrerá também nos casos com
imperfuração himeneal. A HGS a ser realizada num caso de didelfia requer certo grau
de destreza do operador. O uso de espéculos para virgens e a utilização preferencial das
cânulas de Ackard com 3mm inseridas e infladas em cada um dos colos. A injeção do
contraste deverá ser feita simultaneamente e as imagens vão sendo registradas.
Nos úteros unicorno, bicorno, duplos , com septamentos parciais ou totais, não existe
uma incompatibilidade total em relação à fertilidade e à gravidez. Em alguns casos,
no entanto, nas primeiras gestações há o perigo de abortamentos espontâneos, daí a
recomendação de uma boa assistência pré-natal. Também são frequentes os partos
prematuros.
No chamado útero unicorno, sempre há um corno acessório permeável ou não, podendo
ocorrer neste último uma gravidez que poderá ou não atingir a viabilidade fetal.
Geralmente, ela se comporta como numa gestação ectópica, obrigando a remoção do
corno-sede da gestação. Nas gestações que ocorrem em útero unicomo ou nos hemiúteros
do didelfo, são frequentes os abortamentos espontâneos, parto prematuro, devendose
dar preferência a um parto cesareano. Deste modo, evitam-se as roturas espontâneas,
já que as paredes do útero estão muito delgadas. Nos úteros com septamento total ou
parcial (subseptados), as gestações ocorrem e se desenvolvem como se fora em útero
normal. Nos úteros didelfos, a gravidez se comporta como no útero unicomo. Durante
o parto cesáreo, a parede uterina se apresenta tão fina que se pode observar o contorno
do feto.
Nas vaginas com septamento transverso poderá ocorrer um obstáculo à saída do feto,
exigindo uma colpotomia ou ressecção do septo durante o parto. São frequentemente
causa de dispareunia e de infertilidade, esta devido à falta de uma boa deposição espermática
nos fundos de saco vaginal, impedindo assim a migração dos espermatozóides
através o canal cervical. Quando comprovado tal fato a ressecção do septo restaura
a fertilidade.
Para permitir a classificação radiológica da má-formação idealizei uma classificação
étiopatogênica que facilitará a sua fácil interpretação (vide p. 82)
Histerosalpingografia - Introdução ao estudo da radiologia ginecológica | 83
Figura 86 e 87 - Útero subseptado (à esquerda) e útero bicorno (à direita). As imagens são semelhantes na HSG.
No primeiro caso, o fundo uterino é plano e no segundo os cornos estão delimitados por um sulco.
Ordenadas as chapas e seguindo a mesma sequência adotada durante a realização
de uma HSG, o laudo radiológico deverá conter detalhadamente todas as informações.
Estas servirão como ponto de referência aos médicos solicitantes, quando tiverem que
instituir uma terapêutica adequada e particular a cada caso. Daí a importância do radiologista
neste contexto, uma vez que muitos profissionais não estão aptos a interpretar radiografias
e se louvam praticamente no laudo fornecido. O exame seguirá uma sequência
natural, tendo como início uma análise da cavidade uterina; logo, o estudo das trompas
e, finalmente, o comportamento do contraste em relação à cavidade pélvica.
No estudo da cavidade uterina deverá ser levada em linha de conta a sua morfologia,
se dentro dos padrões da anatomia radiológica normal. Se há um aumento ou redução
da cavidade, se esta é única ou dupla (caracterizando uma má-formação uterina), se há
septamentos no seu interior, se a borda é lisa e uniforme ou serrilhada e com falhas de
enchimento. Se a cavidade exibe imagens de subtração, como no caso das sinéquias
uterinas, ou imagens de pólipos e miomas submucosos. Observar o orifício interno do
colo, se normal ou apresentando dilatação como se observam nos úteros com incompetência
istmo-cervical. Observar áreas de calcificação em ponto do miométrio ou cavidade
uterina.
No estudo das trompas, deve-se observar se houve uniformidade no seu enchimento
ou se este foi irregular ou ausente (neste último caso, há uma obstrução cornual); se
96 | Hugo Maia
há dilatação com formação de hidrosalpinges, caracterizando as obstruções distais; se
o contraste se dispersa na cavidade pélvica ou há retenções, encistamentos, caracterizando
os bloqueios tubo-ovarianos ou aderências peritubárias; o comportamento do
contraste durante o enchimento das cavidades tubárias, se houve defeitos de enchimentos
e imagens em rosário, quase que específica da tuberculose tubária; se o calibre da
trompa é fino, caracterizando as trompas filiformes. Outro dado importante diz respeito
a mobilidade tubária, se presentes ou se as mesmas permanecem fixas sem qualquer
modificação posicional durante o desenrolar do exame.
Finalmente, estudar o comportamento do contraste em relação à sua dispersão na
cavidade pélvica, se livre como se fosse fumaça flutuando no espaço ou, se houve encistamentos,
permanecendo retido e sem qualquer alteração, mesmo após a paciente
deambular por alguns minutos. Este fato caracterizará os diferentes tipos de bloqueio,
aderências das trompas com os ovários e órgãos da cavidade pélvica. Este detalhe é
muito importante porque, frequentemente, os radiologistas descrevem estes achados
como trompas livres, com dispersão normal do contraste.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário