RESUMO
A
maioria das fraturas dos ossos temporais resulta de traumas cranianos
bruscos, de alta energia, estando muitas vezes relacionadas a outras
fraturas cranianas ou a politraumatismo. As fraturas e os
deslocamentos da cadeia ossicular, na orelha média, representam umas
das principais complicações das injúrias nos ossos temporais e, por
isso, serão abordadas de maneira mais profunda neste artigo. Os outros
tipos de injúrias englobam as fraturas labirínticas, fístula dural,
paralisia facial e extensão da linha de fratura ao canal carotídeo. A
tomografia computadorizada tem papel fundamental na avaliação inicial
dos pacientes politraumatizados, pois é capaz de identificar injúrias
em importantes estruturas que podem causar graves complicações, como
perda auditiva de condução ou neurossensorial, tonturas e disfunções
do equilíbrio, fístulas perilinfáticas, paralisia do nervo facial,
lesões vasculares, entre outras.
Unitermos: Trauma do osso temporal; Injúrias ossiculares; Trauma ossicular.
INTRODUÇÃO
O
traumatismo cranioencefálico (TCE) é um dos líderes de morbimortalidade
no Brasil e no mundo, ocorrendo mais comumente na faixa etária de
adultos jovens(1).
As
fraturas dos ossos temporais, em sua maioria, resultam de TCEs
bruscos, de alta energia, estando muitas vezes relacionadas a outras
fraturas cranianas ou a politraumatismo. Por este motivo, geralmente
há necessidade de uma avaliação multidisciplinar, incluindo
otorrinolaringologia, radiologia e neurocirurgia(2–4).
A
tomografia computadorizada multidetectores apresenta papel fundamental
na avaliação desses pacientes. Em artigo publicado por Morgado et al.(5),
apesar de a maioria dos casos de TCE (82,4%) ter sido classificada
como leve, cerca de 80% dos pacientes apresentavam alterações
tomográficas. Estes dados ajudam a demonstrar que a tomografia
computadorizada do crânio é o exame de escolha na avaliação inicial
desses pacientes(1), que inclui também a escala de coma de Glasgow e os dados relativos ao acidente(5).
As
reconstruções multiplanares permitem avaliação detalhada da base do
crânio, da anatomia temporal, bem como da extensão das lesões que
envolvem estruturas específicas(3,4,6).
Atualmente,
além de ser o exame de imagem eleito para diagnóstico e prognóstico
do TCE, a tomografia computadorizada atua também no controle evolutivo
das lesões(5).
As
relações entre os tipos de lesões mostradas na tomografia, o tipo de
TCE (gravidade da lesão) e o prognóstico são descritos por diversos
autores, todos indicando que quanto mais agressivo o TCE, mais
numerosos e mais graves são os achados na tomografia computadorizada(5).
As
fraturas e os deslocamentos da cadeia ossicular, na orelha média,
representam umas das principais complicações das injúrias dos ossos
temporais, estas últimas frequentemente observadas nos TCEs graves e,
por isso, serão abordadas de maneira mais profunda neste artigo(2,6–8).
O
radiologista deve estar familiarizado com os possíveis mecanismos de
trauma e com a anatomia temporal, possibilitando-o classificar os tipos
de fratura, para que seja capaz de predizer as possíveis complicações
associadas e guiar o tratamento de maneira adequada.
CLASSIFICAÇÃO DAS FRATURAS TEMPORAIS E MECANISMO DE TRAUMA
A
classificação das fraturas do osso temporal ajuda a predizer as
complicações associadas ao trauma, orientando, assim, o manejo e o
tratamento do paciente(2,4,6).
É
muito importante que o radiologista descreva com precisão as estruturas
anatômicas acometidas, principalmente as lesões que podem causar
comprometimento funcional.
A classificação tradicional indica a relação entre a linha de fratura e o maior eixo da porção petrosa do osso temporal(3,4).
As fraturas oblíquas, também chamadas de mistas ou complexas, são as mais comuns, seguidas pelas longitudinais e transversais(4).
Em
relação aos mecanismos de trauma e principais complicações de cada
tipo de fratura temporal, podemos resumir da seguinte maneira: a) as
fraturas longitudinais geralmente ocorrem em traumas temporoparietais,
acometendo, comumente, a porção extralabiríntica, e apresentam como
principais complicações a lesão ossicular e o hemotímpano(3);
já as fraturas transversais geralmente ocorrem em traumas
fronto-occipitais, com acometimento translabiríntico, e como sua
principal complicação destaca-se a lesão do nervo facial(3).
Fraturas longitudinais
São
caracterizadas por uma linha de força que se estende de lateral para
medial, sendo o trauma, nestes casos, mais comumente temporoparietal(3,4,7,9).
Na tomografia computadorizada em axial observa-se uma linha radiolucente paralela ao maior eixo da pirâmide petrosa (Figura 1).
As
complicações mais comuns da fratura longitudinal são as injúrias
ossiculares, a ruptura da membrana timpânica e o hemotímpano, com perda
auditiva de condução. Menos comumente, o nervo facial pode ser
acometido(3).
Fraturas transversais
Tipicamente,
resultam de trauma nas regiões frontal ou occipital, bem como na
junção craniocervical, com a linha de força estendendo-se
posteroanteriormente(3,4).
A linha de fratura é perpendicular ao maior eixo da pirâmide petrosa (Figura 2).
A
perda auditiva neurossensorial é mais comum em pacientes com fratura
transversal, podendo ser secundária a transecção do nervo coclear,
injúria às estruturas labirínticas ou à platina do estribo, que
resulta em fístula labiríntica(10,11).
A paralisia do nervo facial também é mais comum neste tipo de fratura.
Fraturas oblíquas
Incluem ambos os elementos, longitudinal e transversal (Figura 3), com envolvimento frequente da cápsula ótica, que provoca perda auditiva neurossensorial(3,4,9). Se ocorrer injúria ossicular, pode ocasionar, também, perda auditiva de condução.
IDENTIFICAÇÃO DAS ESTRUTURAS ACOMETIDAS: INJÚRIAS À CADEIA OSSICULAR
As
injúrias ossiculares representam complicação frequente do trauma
temporal, podendo a cadeia ossicular ser interrompida em vários locais.
Nos
pacientes que sofrem trauma temporal, a perda auditiva de condução é a
consequência mais comum nesse tipo de injúria, sendo os deslocamentos
mais frequentes que as fraturas ossiculares(3,7,10,12).
Há
cinco tipos de deslocamentos: luxação da articulação incudoestapedial;
luxação da articulação maleoloincudal; deslocamento da bigorna;
deslocamento do complexo maleoloincudal; deslocamento
estapediovestibular(7,8,12,13).
As fraturas do martelo, bigorna e estribo são incomuns.
Mais
uma vez, a tomografia computadoriza de alta resolução é o método de
escolha para avaliação do trauma ossicular. As imagens no plano axial
permitem melhor avaliação da continuidade ossicular. Já as
reconstruções coronais e oblíquas podem ser usadas para avaliar o
processo longo da bigorna e sua relação com o martelo, como veremos
adiante(3).
Luxação da articulação incudoestapedial
A
desarticulação incudoestapedial é a anormalidade pós-traumática mais
comum da cadeia ossicular, o que se deve à tênue suspensão da bigorna
entre o martelo e o estribo, firmemente ancorados(3,8,12).
Nas
reconstruções axiais ou oblíquas a interrupção desta articulação
aparece como um aumento do espaço entre a cabeça do estribo e o processo
longo da bigorna (Figura 4).
Luxação da articulação maleoloincudal
A
articulação maleoloincudal é protegida pelo recesso epitimpânico. O
martelo é o ossículo mais firmemente aderido, o que é garantido pela
membrana timpânica, pelos ligamentos anterior e lateral do martelo e
pelo músculo tensor e tendão da membrana timpânica. Nos casos de
trauma, o martelo usualmente permanece em sua posição ou se move
levemente. Por outro lado, a bigorna, o ossículo mais pesado, não está
ancorado a nenhuma estrutura muscular e seus ligamentos são bem
fracos(3,12,13).
A
desarticulação maleoloincudal é mais bem visualizada nas imagens axiais
da tomografia computadorizada, que mostra o deslocamento da cabeça do
martelo do corpo/processo longo da bigorna (Figura 5).
As reconstruções são importantes para esclarecer a posição dos ossículos nos casos de deslocamentos significantes.
Deslocamento da bigorna
A
bigorna, por sua posição fracamente ancorada entre os firmemente
ligados martelo e estribo, torna-se relativamente vulnerável a
deslocamentos traumáticos(3,12). Após traumas cranianos graves, ela pode sofrer deslocamento devido à sua inércia(14).
Traumas
penetrantes através do canal auditivo externo também podem provocar
deslocamento da bigorna. Esta pode permanecer no recesso epitimpânico,
deslocar-se para a porção mais inferior da cavidade timpânica ou do
canal auditivo externo, ou mesmo ser destruída(13).
Avaliação
minuciosa pela tomografia computadorizada em axial e coronal da
orelha média e do meato acústico externo é necessária para identificar a
posição exata da bigorna em relação ao martelo e estribo (Figura 6).
Deslocamento estapediovestibular
O ligamento anular adere firmemente o estribo à janela oval e, dessa forma, o deslocamento estapediovestibular não é comum(7,14).
As
injúrias penetrantes pelo canal auditivo externo (manipulação de
cotonetes) podem deslocar o estribo através da janela oval para o
interior do vestíbulo (deslocamento interno) (Figura 7).
Fraturas ossiculares
Dentre as fraturas ossiculares, a mais relevante é a fratura do arco do estribo, que ocorre secundariamente à sua torção(8,14).
A fratura da platina ocorre principalmente em casos de fraturas
transversas (fraturas translabirínticas) que atravessam a janela oval.
A fratura da platina (com ou sem deslocamento de fragmentos) pode
causar fístula perilinfática com pneumolabirinto(14).
OUTROS TIPOS DE INJÚRIA
Fraturas labirínticas
Geralmente relacionadas às fraturas transversais e com perda auditiva neurossensorial(11), são acompanhadas de pneumolabirinto(12,14) e fístulas perilinfáticas. As fístulas perilinfáticas também podem causar vertigem e ocorrer por lesão da cápsula ótica(9,15) (Figuras 8 e 9).
Fístulas durais
Geralmente
relacionadas a lesões do tegme timpânico ou das paredes dos seios
esfenoidais, cursam com otoliquorreia ou rinoliquorreia. São lesões
que não devem ser negligenciadas, em razão do risco de meningite(7,12,15) (Figura 10).
Paralisia facial
O
trajeto do nervo facial pode ser avaliado em toda sua extensão no
plano axial, sendo as reconstruções oblíquas de grande importância
para análise da integridade dos segmentos mastoideo e timpânico. O nervo
facial é acometido em até 7% dos pacientes com fratura temporal. A
maior parte das injúrias ocorre em sua porção labiríntica, na região
do gânglio geniculado, e se manifestam como contusão do nervo, edema e
hematoma da bainha neural e transecção parcial ou completa do nervo(7,9,15).
Paralisia pós-traumática imediata frequentemente é indicativa de transecção do nervo ou compressão por fragmento ósseo (Figura 11).
Canal carotídeo
A
porção petrosa do osso temporal contém o segmento petroso da artéria
carótida interna, que se localiza no canal carotídeo, medialmente ao
processo estiloide e anteriormente à fossa jugular. O canal carotídeo
pode ser avaliado em toda sua extensão no plano axial. Pacientes com
fraturas que se estendem ao canal carotídeo têm risco aumentado de
lesões à artéria carótida interna. As complicações associadas incluem
dissecção arterial, pseudoaneurisma, transecção completa, oclusão e
fístulas arteriovenosas(7,15) (Figura 12).
CONCLUSÃO
A
tomografia computadorizada exerce papel fundamental na avaliação
inicial dos pacientes politraumatizados, pois é capaz de identificar
injúrias a importantes estruturas que podem ter como consequência
graves complicações, como perda auditiva de condução ou
neurossensorial, tonturas e disfunções do equilíbrio, fístulas
perilinfáticas, paralisia do nervo facial, injúrias vasculares, entre
outras(3).
O
estudo por este método de imagem permite ainda que o radiologista
classifique as fraturas temporais, predizendo então estas possíveis
complicações e guiando o tratamento.
A anatomia do osso temporal é bastante complexa, com várias estruturas críticas associadas umas às outras (3,7,8,11).
É importante que o radiologista esteja familiarizado com essa
anatomia e que, atuando conjuntamente com outras especialidades, como
otorrinolaringologia e neurocirurgia, possa conduzir de maneira
adequada os casos de trauma temporal, reduzindo, assim, o risco de
sequelas graves a esses pacientes.
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