quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Convulsões capitulo

 Convulsões

A identificação e o manejo da epilepsia em suas muitas formas são duas das principais áreas de superposição entre a neurologia e a psiquiatria. A epilepsia é comum, com ocorrência estimada em 6-34 por 1.000 pessoas.

A. O psiquiatra pode esperar encontrar problemas no cuidado agudo de pacientes com convulsões em diversas situações clínicas, incluindo:

1. Abstinência de álcool ou outros depressores do sistema nervoso central (SNC) (incluindo agentes prescritos, p. ex., benzodiazepínicos).

2. Abuso agudo de drogas epileptogênicas (p. ex., cocaína).

3. Convulsões causadas por agentes psicotrópicos que diminuem o limiar convulsivo (p. ex., antidepressivos tricíclicos e outros antidepressivos cíclicos, neurolépticos de baixa potência).

4. Convulsões causadas por anormalidades metabólicas (p. ex., hiponatremia na polidipsia, hipoglicemia primária ou secundária).

5. Pacientes psiquiátricos que também têm epilepsia.

6. Pacientes cujos sintomas psiquiátricos podem ser devidos a epilepsia (ver Cap. 26).

B. Este capítulo lida principalmente com o problema clínico mais preocupante, o manejo agudo de convulsões tipo grande mal e estado de mal epiléptico. Também serão feitas aqui considerações diagnósticas que levam à identificação correta e ao tratamento adequado da epilepsia na prática de cuidados psiquiátricos agudos. O Quadro 27-1 fornece as principais categorias das convulsões, adaptadas da Comissão de Classificação e Terminologia da Liga Internacional Contra a Epilepsia.

II. Convulsões Generalizadas.

Convulsões generalizadas. As convulsões onde o eletroencefalograma (EEG) é difusamente anormal, sem localização em uma região cerebral específica, são classificadas como convulsões generalizadas. Clinicamente, não há sinais ou sintomas atribuíveis a uma região específica do cérebro de onde emanam as descargas epilépticas. As convulsões generalizadas sempre produzem perda ou comprometimento da consciência.

A. Convulsões tônico-clônicas (grande mal). As convulsões tônico-clônicas generalizadas são a forma mais comum de epilepsia encontrada nos serviços de emergência. Embora apenas 10% dos pacientes epilépticos tenham convulsões tônico-clônicas como manifestação única, episódios de grande mal ocorrem secundariamente em mais da metade dos pacientes com outras formas de convulsões.

1. Quadro clínico. Tipicamente, as convulsões de grande mal são iniciadas com uma fase tônica onde o paciente se enrijece e rapidamente perde a consciência. Pode haver arqueamento dorsal ou opistótono com desvio dos olhos para cima ou lateralmente, seguido por desvio da cabeça na mesma direção. Em alguns casos a convulsão pode ter início com um grito devido à contração dos músculos toracoabdominais. A freqüência respiratória pode tornar-se irregular e o paciente, cianótico. As pupilas quase sempre se dilatam no início da fase tônica. Na fase clônica, os membros fazem um movimento espasmódico rítmico. Isto em geral se inicia como um pequeno espasmo que cresce em amplitude e força com o passar do tempo. Freqüentemente também ocorrem piscar rítmico dos olhos e movimentos maxilares que podem resultar em mordedura da língua. É comum a ocorrência de incontinência vesical ou intestinal na crise. A duração da fase pós-ictal é com freqüência proporcionalmente semelhante à duração da convulsão. Nessa fase o paciente está tipicamente desorientado, confuso e sonolento em certo grau. Essa fase pode durar de 20 minutos a algumas horas. Após convulsão prolongada ou estado de mal epiléptico, contudo, o paciente pode estar obnubilado, necessitando de 24-48 horas para tornar-se plenamente alerta e orientado. Queixas de cefaléia, fadiga e dores musculares são comuns na fase pós-ictal. Deve-se considerar a possibilidade de pseudoconvulsão quando o paciente se recupera de um episódio de grande mal sem sintomas pós-ictais.

2. Tratamento. O manejo de emergência de uma convulsão de grande mal depende de o paciente ainda estar em convulsão ativa ou ter tido uma convulsão recente, mas já terminada. Quando o paciente está em convulsão ativa, o objetivo é interrompê-la em sua evolução. Quando o paciente já parou de ter a convulsão, o objetivo é prevenir outras. A realização desses objetivos requer a determinação rápida da causa da crise. A escolha da terapia anticonvulsivante é determinada por considerações práticas quanto à eficácia, ao tempo necessário para atingir níveis sangüíneos terapêuticos e à duração da ação. Um espectro mais amplo de anticonvulsivantes pode ser considerado quando as circunstâncias permitem uma obtenção mais vagarosa de níveis terapêuticos. Nesses casos, a escolha da droga depende da seleção adequada ao tipo de convulsão, balanceada pela consideração da toxicidade relativa dos medicamentos disponíveis.

a. Convulsão tônico-clônica em evolução

(1) Assegurar oxigenação adequada. O paciente deve ser posicionado de forma a evitar lesões durante a crise. Uma adequada passagem de ar deve ser mantida. Isto pode ser realizado utilizando-se um tubo que possa ser inserido sem traumatismo. A prática leiga de inserir uma caneta ou colher na boca pode provocar a quebra dos dentes durante a contração do masseter, podendo ocorrer aspiração de fragmentos destes. Da mesma forma, um depressor da língua de madeira pode lascar-se. Oxigênio deve ser administrado via cânula nasal ou máscara facial. A intubação será desnecessária na maioria das convulsões tipo grande mal; contudo, essa opção deve ser utilizada quando o paciente estiver inconsciente e vomitando ou quando a convulsão é refratária ao tratamento inicial. No último caso, o tratamento multimedicamentoso terá de ser utilizado, o que pode causar depressão respiratória, demandando ventilação assistida.

(2) Estabelecer acesso venoso e coletar sangue para exames iniciais. Deve-se colocar um cateter EV de grande diâmetro e coletar amostras de sangue para exames de eletrólitos, uréia, creatinina, glicose, cálcio, magnésio e funções hepáticas. Um hemograma completo e a taxa de hemossedimentação podem ser úteis para avaliar-se a possibilidade de uma infecção ou doença do colágeno ter precipitado a convulsão. Uma pesquisa toxicológica deve ser realizada se houver qualquer motivo para suspeitar de abuso de álcool ou drogas ou de uma sobredose de droga. Soro fisiológico deve ser o líquido administrado EV, antecedendo a administração de fenitoína, que se precipita em água ou dextrose a 5%.

(3) Tratamento medicamentoso. Imediatamente após a coleta do sangue, 100 mg de tiamina, seguidos por 50 ml de glicose a 50% em água, devem ser administrados EV. Se o paciente continua a ter convulsão durante essas medidas iniciais, deve-se administrar um benzodiazepínico (lorazepam 2 mg ou diazepam 5 mg) lentamente. Esses agentes podem ser repetidos após 5 minutos se a convulsão persistir. Se os movimentos tônico-clônicos foram interrompidos espontaneamente, não há necessidade de administrar benzodiazepínico, pois sua meia-vida é curta e ele não evitará convulsões a longo prazo. (O lorazepam tem uma duração de ação mais prolongada do que o diazepam devido a seu menor volume de distribuição.) Um anticonvulsivante de primeira linha deve então ser administrado, sendo a fenitoína o mais freqüentemente utilizado por poder ser administrada EV e por possibilitar níveis terapêuticos em 20 minutos. A dose inicial de fenitoína é de 1.000-1.500 mg (15 mg/kg) diluídos em soro fisiológico, que deve ser infundido lentamente em velocidade máxima de 50 mg/minuto. Durante a infusão de fenitoína, a pressão arterial deve ser mensurada em intervalos de poucos minutos e o eletrocardiograma (ECG) deve ser continuamente monitorado. A incidência de hipotensão e arritmia aumenta com velocidades de infusão mais elevadas. Se ocorrer hipotensão, a infusão deve ser lentificada ou interrompida até o retorno ao normal da pressão arterial. Após a dose inicial plena, a fenitoína de manutenção é iniciada em 18-24 horas, geralmente 300-400 mg por dia, administrados em doses divididas. Quando a cooperação é um problema, a fenitoína pode ser administrada em dose diária única, mas com o risco de desenvolver efeitos colaterais tóxicos em seu nível máximo e convulsões ``de brecha’’ com níveis mínimos.

(4) Causa da convulsão. Uma vez controlada a convulsão, é imperativo que a causa seja identificada e tratada. Deve-se considerar o seguinte:

(a) Se o paciente tem uma história de distúrbio convulsivo.

(b) Quando tiver, que anticonvulsivante ele usa? O paciente coopera com a prescrição? Quais são seus níveis sangüíneos do anticonvulsivante?

(c) O paciente apresenta uma doença febril que diminui o limiar convulsivo?

(d) Caso apresente, qual é a causa da febre? (Se não for imediatamente evidente, há necessidade de uma punção lombar para avaliar a possibilidade de meningoencefalite.)

(e) O paciente está fazendo uso de outras drogas ou álcool que possa interferir com o metabolismo do anticonvulsivante ou reduzir seu limiar convulsivo? (Quadro 27-2).

(f) Há alguma anormalidade metabólica detectada nos exames de sangue do paciente que possa ter precipitado as convulsões?

(g) Se não houver história de convulsões anteriores ou se o paciente com convulsões nunca tiver sido plenamente avaliado, deve-se realizar uma tomografia computadorizada (TC) do cérebro com contraste no serviço de emergência ou uma ressonância magnética (IRM) deve ser obtida logo após, para determinar se um tumor ou outra lesão estrutural é a causa da convulsão. A avaliação de uma convulsão de início recente também deve incluir um EEG durante a internação ou quando do atendimento.

b. Tratamento de uma convulsão tônico-clônica na fase pós-ictal. Caso o paciente pós-ictal esteja acordado na visita ao médico, tem-se a opção de administrar 15 mg/kg de fenitoína por via oral em doses divididas de 200-400 mg em intervalos de duas horas. Como alternativa, outro anticonvulsivante de primeira linha, como carbamazepina ou valproato sódico, pode ser escolhido. Para início oral rápido, pode-se administrar ácido valpróico, que atinge níveis plasmáticos máximos em uma a quatro horas. A forma de liberação prolongada demanda três a quatro horas para atingir níveis máximos. Contudo, se o paciente pós-ictal está letárgico e confuso no primeiro encontro no serviço de emergência, é provável que tenha tido uma convulsão prolongada; como outra convulsão pode ser iminente, recomenda-se uma dose inicial rápida de fenitoína EV.

c. Tratamento do estado de mal epiléptico tônico-clônico

(1) O estado de mal epiléptico é definido como atividade convulsiva tônico-clônica contínua ou convulsões recorrentes sem um intervalo de consciência, com duração superior a 30 minutos. Esta é verdadeiramente uma emergência médica, pois o índice de mortalidade por estado de mal epiléptico é de 6-20% e o risco de lesão cerebral permanente aumenta em relação ao tempo necessário para interromper a crise. A maioria dos pacientes com estado de mal epiléptico tem uma história anterior de convulsões. Dentre estes, a não aceitação dos anticonvulsivantes, a abstinência alcoólica e o abuso de drogas são mais freqüentemente implicados como precipitantes. Outros fatores etiológicos, como desequilíbrio metabólico, infecções do SNC, lesões tumorais e sobredose de medicação, devem ser considerados.

(2) É essencial estabelecer um acesso EV rapidamente com um cateter de grande diâmetro; se necessário, deve-se colocar um cateter central. O paciente deve ser intubado para proteger a via aérea. Amostras de sangue devem ser coletadas para mensuração de eletrólitos, glicose, uréia, creatinina, hemograma, pesquisa toxicológica e níveis de anticonvulsivantes. Gases arteriais também devem ser obtidos. Imediatamente após a coleta das amostras venosas, devem ser administrados 50 ml de dextrose a 50% em água por via EV. Lorazepam 2-4 mg ou diazepam 10-20 mg deve ser administrado EV. A droga deve ser repetida após cinco minutos se a primeira dose tiver sido ineficaz. Embora tenham ação curta e portanto não sejam o tratamento definitivo para o estado de mal epiléptico, os benzodiazepínicos atingem níveis terapêuticos no plasma e no cérebro rapidamente, interrompendo convulsões em cinco minutos em 80% dos casos. Imediatamente após a administração do benzodiazepínico, deve-se iniciar a infusão de uma dose de fenitoína, diluída em soro fisiológico. Níveis terapêuticos podem ser obtidos em até 20 minutos, com a administração de 15 mg/kg em velocidade máxima de 50 mg/minuto. A infusão deve ser mais lenta caso ocorra hipotensão.

(3) As convulsões serão refratárias ao tratamento se o paciente estiver acidótico. Portanto, uma ampola de NaHCO3 deve ser administrada ao paciente que está com convulsões contínuas há mais de cinco minutos. Isto deve ser feito enquanto se aguardam os resultados do primeiro gás arterial, que orientará ajustes posteriores para corrigir o balanço ácido-básico. Os gases arteriais e o pH devem ser acompanhados periodicamente, à medida que a convulsão está sendo tratada.

(4) Se as convulsões persistirem após se ter administrado fenitoína, deve-se administrar fenobarbital (o paciente já foi intubado para que não ocorra depressão respiratória ocasionada pelos efeitos associados da administração de benzodiazepínico e de barbitúrico). A dose inicial de fenobarbital é comumente 6-20 mg/kg administrada EV em uma velocidade não superior a 60 mg/minuto. Se todas as tentativas de interromper a crise falharem e o paciente estiver tendo convulsões após 90 minutos, deve-se instituir anestesia geral utilizando pentobarbital para produzir inatividade elétrica do EEG. Isto pode ser realizado utilizando-se 3 mg/kg de pentobarbital como dose inicial EV, seguidos por 100-200 mg/hora, administrados em doses EV de uma só vez. A transferência desses pacientes para uma unidade de tratamento intensivo é obrigatória.

B. Crises de ausência (petit mal). As ausências são comuns apenas em crianças entre seis e 16 anos de idade. O EEG classicamente revela um padrão de ponta e onda de 3/segundo. As crises geralmente têm início na infância, são reduzidas na adolescência tardia e raramente ocorrem após os 30 anos de idade. Trinta e dois por cento dos pacientes que iniciam sua patologia com ausência pura posteriormente desenvolvem convulsões tônico-clônicas, enquanto 14% dos pacientes com ausência iniciam sua patologia com crises de petit mal e grande mal.

1. Quadro clínico. As crises de ausência têm início e término abruptos, sendo a principal característica uma alteração da consciência. Nunca há uma aura ou aviso de alerta. As crises raramente têm duração superior a 20 segundos. Um olhar vazio pode ser acompanhado por automatismos envolvendo aperto dos lábios, piscar dos olhos ou movimentos mastigatórios. O término da crise é abrupto. Ocasionalmente um paciente retomará o diálogo como se não tivesse sido interrompido. Não há confusão pós-ictal. O EEG nas crises de ausência freqüentemente se inicia com atividade poliponta difusa de 4-6/segundo, que pode evoluir para o clássico padrão ponta e onda 3/segundo. Diversos pesquisadores independentes relataram que 79-95% das crianças com crises clássicas apenas de ausência podem ser curadas das crises quando tratadas precocemente. Para aquelas com uma história de convulsões mistas tônico-clônicas e ausências na infância, as crises amiúde persistem na idade adulta e são substituídas por crises de grande mal ou crises parciais. Deve-se mencionar que as crises de ausência complexas ou variantes incluem uma alteração abrupta do nível de reatividade com um ou mais componentes adicionais de mioclonia, episódios atônicos (ocasionalmente denominados ``crises de queda’’), fenômenos autonômicos como enurese ou episódios tônicos.

2. Tratamento. O tratamento de escolha para crises de ausência puras sem história de grande mal ou episódios de crises parciais é a etossuximida. O tratamento geralmente é iniciado com 250-500 mg/dia, a ser aumentado durante 10-14 dias até uma dose de 15-40 mg/kg de peso corporal. Níveis sangüíneos terapêuticos variam entre 40 e 100 mg/ml. Os efeitos colaterais incluem sintomas gastrointestinais, sonolência, letargia ou hiperatividade e irritabilidade. Podem haver alterações do humor. A toxicidade inclui discrasias sangüíneas, urticária e erupções cutâneas. Os pacientes com um distúrbio misto de crises de petit mal e grande mal devem ser tratados com ácido valpróico. A dose inicial é de 250 mg/dia com acréscimos semanais de 5 mg/kg/dia até uma dose de manutenção de 20-30 mg/kg/dia. O nível terapêutico é de 50-120 mg/dia. Os efeitos colaterais comuns incluem distúrbios gastrointestinais e ataxia. Podem ocorrer complicações hepáticas e ocasionalmente são fatais. Portanto, devem-se monitorar exames da função hepática a cada duas semanas durante os primeiros seis meses e a cada dois meses depois disto. Também pode ocorrer hiperamonemia, associada a encefalopatia; por isso, os níveis séricos de amônia também devem ser verificados.

C. Convulsões mioclônicas. Há diversos distúrbios convulsivos em que ocorrem episódios mioclônicos, possuindo uma ampla variedade de etiologias e prognósticos. Eles não se enquadram normalmente nos cuidados psiquiátricos agudos e, portanto, serão aqui mencionados superficialmente. A única característica comum dessas convulsões é a série de movimentos breves, repetitivos, bilaterais e sincrônicos da face, braços e pernas. Os movimentos do tronco são raros. O tratamento das formas benignas (p. ex., mioclonia juvenil) é o ácido valpróico. O tratamento de outras formas de epilepsia mioclônica pode ser difícil e, quando há suspeita, deve-se encaminhar o paciente a um neurologista.

III. Convulsões Parciais (Focais).

Convulsões parciais (focais). Convulsões nas quais as manifestações clínicas e ao EEG podem ser anatomicamente localizadas em uma região cerebral específica são denominadas epilepsias focais ou parciais. Elas compõem as formas mais comuns dos distúrbios convulsivos; estima-se que 67% dos adultos e 40% das crianças são afetados pelas convulsões parciais. Geralmente iniciam-se em um foco de um dos hemisférios e pode ou não se disseminar. O EEG pode ser focalmente anormal ou, se o foco tiver localização profunda no hemisfério, o traçado pode ser normal. Quando a consciência não é comprometida durante a crise, a convulsão é classificada como parcial simples, e quando a consciência é afetada, é classificada como parcial complexa. As crises parciais motoras também foram denominadas como epilepsia psicomotora, crises do lobo temporal e fugas epilépticas.

A. Crises parciais simples

1. Quadro clínico. As crises parciais simples são descargas epilépticas a partir de um foco único ou unidade funcional do cérebro. O paciente permanece consciente em relação ao ambiente durante a crise. A descarga epiléptica pode envolver a córtex motora, resultando em:

a. Movimento tônico-clônico de um único dedo ou membro.

b. Convulsões jacksonianas nas quais um espasmo que se inicia na face ou extremidade ``caminha’’ ao longo do homúnculus motor para afetar todo o membro ou generalizar em uma convulsão tipo grande mal.

c. Convulsões versivas, na qual o paciente se vira, geralmente para o lado oposto à descarga elétrica anormal.

d. Crises fonatórias nas quais o paciente pode gritar ou sofrer interrupção da fala. Crises sensoriais podem incluir sensações táteis ou alucinações visuais (organizadas ou não organizadas), auditivas, olfativas ou gustativas. Embora raras, as crises parciais podem ser compostas por sintomas autonômicos como câimbras gástricas, taquicardia, sudorese ou incontinência. Esses sintomas autonômicos não devem ser considerados como devidos à crise até que sejam excluídas outras causas mais comuns. Também podem ocorrer crises psíquicas nas quais o paciente tem sensações de jà vi, nunca vi, tremores infundados, ou idéias intrusivas fixas.

2. Tratamento. A maioria das crises parciais simples é causada por patologia estrutural focal. É portanto particularmente importante realizar uma avaliação diagnóstica cuidadosa nesses casos. Uma TC cerebral com contraste revelará lesão em até 50% dos casos. Nos casos em que a TC inicial é negativa, deve-se obter uma IRM. Se esses estudos fracassarem em revelar uma lesão, os exames devem ser repetidos em intervalos de seis meses durante ao menos um ano. A angiografia cerebral deve ser considerada para excluir a possibilidade de uma pequena malformação arteriovenosa causando um foco irritativo. A carbamazepina e a fenitoína são as drogas de primeira linha para o tratamento das epilepsias parciais. A carbamazepina ganhou aceitação ampla como droga de escolha para essa classe de distúrbio convulsivo. Medicamentos alternativos incluem valproato sódico, fenobarbital e primidona.

B. Crises parciais complexas

1. Quadro clínico. Nas convulsões parciais complexas, amiúde antecedidas por uma aura, o nível de consciência e a reatividade do paciente a estímulos estão comprometidos. A aura consiste em sintomas, com freqüência aqueles de uma crise parcial simples, que antecede o comprometimento da consciência, o qual ocorre à medida que a convulsão se amplia. O padrão interictal mais comum é o de pontas epileptiformes ou ondas pontiagudas, enquanto o padrão ictal mais comum é composto de potenciais rítmicos de baixa voltagem de 16-30 por segundo. As crises parciais complexas são idênticas às crises de ausência. Em contraposição às ausências, as crises parciais complexas geralmente têm duração superior a 10-20 segundos e tipicamente têm a duração de três minutos (embora normalmente não mais de cinco minutos). Quarenta e cinco por cento dos epilépticos com crises parciais complexas têm uma aura, mas não há ocorrência de aura nas crises de petit mal. Há um período de confusão pós-ictal e letargia nas crises parciais complexas, enquanto nas crises de ausência o retorno à consciência plena é abrupto. Automatismos nas convulsões parciais complexas são com freqüência mais elaborados do que nas ausências. Por exemplo, podem haver desvio da cabeça e dos olhos, espasmos clônicos da face, marcha ou corrida súbita ou movimentos perseverantes dos membros, como chutes e combatividade defensiva. Deve-se suspeitar imediatamente de pacientes que, ostensivamente, nos meandros de uma crise parcial complexa, realizam movimentos elaborados e objetivos. Ocasionalmente poderá atender-se um paciente com crises parciais complexas que, por exemplo, é capaz de continuar dirigindo durante uma crise, mas que ultrapassa sua destinação e subseqüentemente percebe que houve um período de tempo em que não soube o que fez. Contudo, ações deliberadas que não são repetitivas ou ``automáticas’’ não podem ser realizadas durante uma crise parcial complexa (psicomotora ou temporal). As convulsões parciais complexas podem simular distúrbios psiquiátricos primários (ver Cap. 26).

2. Tratamento. Conforme observado na seção anterior, a droga de escolha para convulsões parciais é a carbamazepina. A fenitoína é outro medicamento de primeira escolha, enquanto alternativas incluem fenobarbital e primidona.

IV O Uso de Anticonvulsivantes no Tratamento da Epilepsia.

O uso de anticonvulsivantes no tratamento da epilepsia. A escolha de anticonvulsivantes a serem usados no tratamento da epilepsia é orientada pelas considerações práticas sobre a rapidez com que devem ser atingidos os níveis terapêuticos e sobre a eficácia de uma determinada medicação para um tipo específico de crise; estas devem ser pesadas contra a avaliação de suas toxicidades relativas. No caso do manejo agudo do estado de mal epiléptico ou convulsões de grande mal prolongadas, a fenitoína deve ser o primeiro anticonvulsivante usado porque pode ser administrado rapidamente e por via parenteral, ao contrário da carbamazepina ou do valproato. Quando necessário, a fenitoína pode ser seguida por uma dose EV de fenobarbital (ver seç. II.A.2.c.(4)). Quando não há uma emergência, a escolha dos anticonvulsivantes não é restrita. O objetivo do tratamento é obter controle sobre as convulsões com uma única medicação, porque tratamentos associados trazem maior toxicidade para o paciente. O antiepiléptico escolhido deve ser ajustado até que as convulsões sejam controladas ou até que seja obtido um nível terapêutico elevado ou tóxico. Quando as convulsões continuam ocorrendo, acrescenta-se uma segunda droga. Uma vez obtido um nível terapêutico da segunda droga, interrompe-se a administração da primeira. Se ainda ocorrerem convulsões com um nível terapêutico elevado ou tóxico da segunda medicação, introduz-se uma terceira e assim por diante. Caso não se possa ter controle com uma única medicação, deve-se empregar tratamento associado.

A. Crises generalizadas primárias. Os medicamentos de escolha para o tratamento de convulsões tônico-clônicas generalizadas e ausências são fenitoína, carbamazepina e valproato sódico. Devido a seu potencial para abuso, possibilidade de letalidade em sobredoses e tendência a causar sedação excessiva, o fenobarbital (e a primidona, cujo metabólito ativo é o fenobarbital) é, em geral, sempre que possível evitado. O valproato sódico vem sendo progressivamente usado como primeira droga de escolha no tratamento de convulsões tônico-clônicas generalizadas primárias e ausências associadas. As ausências primárias não associadas a convulsões do tipo grande mal podem também ser tratadas com etossuximida.

1. A fenitoína é eficaz, mas seu uso é limitado por seus muitos efeitos colaterais. Tais efeitos incluem possível comprometimento cognitivo, que pode interferir com o aprendizado. O nistagmo é comum e, em concentrações mais elevadas, ataxia, sonolência e diplopia podem ocorrer. As reações alérgicas variam entre uma erupção morbiliforme razoavelmente comum até dermatite descamativa e síndrome de Stevens-Johnson. Outros efeitos adversos relatados incluem uma síndrome tipo lúpica, granulomas hepáticos, hepatite, linfadenopatia, pseudolinfoma, anemia megaloblástica, condensações pulmonares, neuropatia periférica, osteomalacia por interferência com o metabolismo da vitamina D e depressão do folato sérico e dos níveis da vitamina K. Anormalidades congênitas e retardo mental ocorreram em crianças nascidas de mães que usaram fenitoína durante a gestação.

2. Carbamazepina. Essa droga tem um perfil de efeitos colaterais mais favorável do que a fenitoína. Suas principais desvantagens são a ausência de uma forma parenteral e raras, porém potencialmente letais, discrasias sangüíneas. Elevações excessivamente rápidas da dose podem produzir sedação, tonteira e diplopia; esses efeitos colaterais também podem ocorrer em níveis tóxicos. Tais efeitos colaterais geralmente podem ser evitados iniciando-se com uma dose reduzida de 200 mg duas vezes ao dia e elevando-se a dose lentamente de acordo com a necessidade, utilizando-se acréscimos de 200 mg/dia, adicionados em intervalos semanais. A dosagem terapêutica habitual é de 600-1.200 mg/dia em três doses divididas. Leucopenia leve reversível é bem documentada, mas agranulocitose e anemia aplástica podem ocorrer (incidência relatada: 1 em 20.000 pacientes). Também são relatadas síndrome de Stevens-Johnson, toxicidade cardíaca, hiposmolalidade devida a secreção inadequada do hormônio antidiurético e hepatite, que ocasionalmente é fatal. A carbamazepina é teratogênica em ratos, mas isto não foi confirmado em seres humanos.

3. Valproato sódico. Efeitos adversos graves são raros, mas ocorre pancreatite, assim como insuficiência hepática letal, de forma mais visível em crianças com menos de três anos de idade que estavam em uso de mais de um anticonvulsivante. Tanto comprometimento hepático crônico como hiperamonemia sem anormalidades de enzimas hepáticas podem ocorrer. A hiperamonemia pode ser associada a letargia ou obnubilação. Outras reações adversas são náuseas e vômitos, aumento do peso corporal, queda de cabelos, tremores, erupções cutâneas, cefaléia, insônia, leucopenia, aplasia de eritrócitos e trombocitopenia. Defeitos do tubo neural foram relatados em bebês nascidos de mulheres que usaram valproato durante a gestação.

4. Fenobarbital. A meia-vida dessa droga é de 100 horas; portanto, concentrações regulares levam semanas para serem obtidas. Sedação e distúrbios comportamentais e da cognição, incluindo hiperatividade, desatenção e depressão, são os efeitos colaterais mais comuns. A sobredose de barbitúricos é sempre um risco potencial.

B. Epilepsias parciais (focais). A carbamazepina é a droga de escolha para o tratamento das crises parciais complexas e simples e também de convulsões parciais com generalização secundária. Embora estudos clínicos tenham falhado em demonstrar uma diferença significativa na eficácia da carbamazepina sobre a fenitoína ou a primidona, a relativa ausência de efeitos colaterais intensos levou à recomendação de que seja utilizada no manejo inicial desssas crises. A carbamazepina não tem essencialmente efeitos deletérios sobre a função cognitiva, não reduz a libido ou produz impotência e não tem efeitos dismórficos. A fenitoína deve ser usada quando a carbamazepina fracassa.
 

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